terça-feira, 24 de março de 2015

ITUPARARANGA

ARTIGO

Publicado no jornal Folha de Votorantim de 21/03/2015

Elzo Savella

São 934 km² de área protegida, 27 km² de espelho d’água, 26 km de extensão, 192 km de margens e 290 milhões m³ de água, além de peixes, matas, terras férteis e belezas naturais. De outro lado são 850.000 pessoas abastecidas com água, 150 GWh de energia elétrica gerada por ano, áreas agrícolas irrigadas, criação de gado, pesca e esportes náuticos. Isso é Itupararanga, o mais importante manancial de nossa região.

Itupararanga não é só a barragem ou o lago da represa, é todo o seu entorno formado pela bacia de drenagem de suas águas. São inúmeros ribeirões, córregos e nascentes que, com o rio Sorocaba, mantém o nível de reservação da represa. Toda essa área, que abrange oito municípios, é uma Unidade de Conservação, a APA - Área de Proteção Ambiental de Itupararanga, criada para proteger seus recursos hídricos.

Mas nem tudo são maravilhas no paraíso! Apesar de seu imenso potencial em recursos naturais e da proteção legal, a área vem sofrendo forte degradação ambiental provocada por despejo indevido de esgoto, ocupação imobiliária irregular, desmatamento com remoção das matas ciliares, supressão de nascentes, agricultura com técnicas inadequadas, uso indiscriminado de agrotóxicos, captação de água sem outorga e pesca predatória. São fatores de pressão que vêm comprometendo a qualidade e a quantidade das águas da represa. Vale lembrar que esses problemas, atualmente, não ocorrem de maneira significativa em Votorantim, sendo que a área mais preservada de Itupararanga é a que se encontra dentro de nosso município.

Algumas medidas foram tomadas por parte do Estado: criação da APA em 1998; a instalação do Conselho Gestor da APA em 2004, que na prática é um fórum de discussão dos problemas de Itupararanga; aprovação do Plano de Manejo em 2011, que é uma espécie de plano diretor da área. Mas tudo isso parece ficar só no papel e em reuniões. Pouca ação concreta resultou dessas iniciativas que trouxesse resultados efetivos para a proteção dos recursos hídricos como se pretendia. Efetivamente, apenas o Município de Votorantim vem desenvolvendo ações de reflorestamento das áreas ciliares da represa em seu território.

Recentemente, nos anos de 2012 e 2013, um grupo de pesquisadores de universidades e de organizações ambientalistas realizou um amplo diagnóstico das condições de conservação da APA. A constatação, além dos problemas já citados, foi a queda da qualidade das águas, já acusada anteriormente pela CETESB, que oscilaram entre regular e boa.

Com a forte estiagem que assolou a região Sudeste em 2014, o nível de reservação da represa chegou próximo a 35% (hoje já está em 45%). Uma visão aterradora. Essa estiagem pode ter sido atípica ou consequência das mudanças climáticas. Ainda não sabemos como o clima de nossa região vai se comportar nos próximos anos, mas o que se pode constatar é que os problemas de Itupararanga são antigos e crescentes e estão reduzindo o volume de água na bacia.

Um número pode comprovar essa redução ao longo do tempo: quando a usina entrou em operação em 1914, a represa conseguia regular a vazão média do rio em 11m³/s; hoje a vazão é de 9m³/s, ou seja, houve uma redução de aproximadamente 20% na “produção” de água. E essa perda deve ser recente, pois até os anos 70 a usina trabalhava com sua capacidade máxima instalada, “virando” as quatro turbinas. Hoje é difícil ver mais que uma turbina trabalhando. Não há água suficiente.

Enquanto muitas cidades, inclusive de nossa região, já começam a enfrentar o problema da escassez de água, nós ainda temos o privilégio de desfrutar do que nos oferece tão generoso manancial, que, apesar das agressões, ainda está em boas condições de conservação e qualidade das águas. Mas até quando? O que podemos fazer?

Sem dúvida cabe ao Poder Público, estadual e municipal, executar as ações que dependem de recursos, mas cabe principalmente à sociedade compelir os governos para que se movam nesse sentido. A sociedade deve se mobilizar, exigir ações concretas, contribuir com o debate e, através de seus representantes e entidades, assumir responsabilidades compartilhadas na busca de soluções. Mecanismos para isso existem!

Cada cidadão deve se informar, participar, conhecer os problemas, se tornar um fiscal e, numa atitude de coerência, adotar medidas para economia de água em sua casa e no seu trabalho. Saber que por trás da torneira que nos dá água em abundância, existe uma rede de distribuição, estações de tratamento e o manancial que nos fornece a água. Saber que tudo isso tem um custo econômico, social e ambiental.

Que o Dia da Represa de Itupararanga nos leve à reflexão, para que cada um de nós saiba encontrar o seu papel na preservação desse manancial que nos garante a vida hoje, possa continuar garantindo a das futuras gerações!


Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em sustentabilidade, membro do Conselho Gestor da APA de Itupararanga. savellax@gmail.com