terça-feira, 20 de setembro de 2016

DA IMPORTÂNCIA DAS ÁRVORES

Artigo

Publicado na Folha de Votorantim em 21/08/2008

Elzo Savella

Por volta do ano 900 d.c., um grupo de navegantes, após viajar milhares de quilômetros por mar, chegou a uma exuberante ilha povoada de árvores e palmeiras. Um verdadeiro paraíso. A ilha possuía florestas que ofereciam alimentos e madeira, água para matar a sede e para irrigação, terras para agricultura, e bom clima. De tão generosa que era a natureza da ilha, essas pessoas nela se estabeleceram, constituíram uma sociedade organizada, desenvolveram uma rica e original cultura e se multiplicaram. Calcula-se que no auge dessa civilização a população chegou a 15 mil habitantes.

Nessa cultura peculiar, os ilhéus desenvolveram uma tecnologia para construção de gigantescas estátuas de pedra para homenagear seus ancestrais. Essas estátuas eram esculpidas no centro da ilha, onde estava a matéria prima, e eram transportadas para o litoral, ficando de costas para o mar, de onde vieram os antepassados. A construção dessas estátuas e seu transporte até o local de culto exigiam uma grande quantidade de madeira, pois as estátuas eram puxadas por cordas deslizando por quilômetros em cima de troncos de árvores e palmeiras.

Essa sociedade era dividida em clãs, que competiam entre si, entre outras coisas, na construção de estátuas cada vez maiores e em maior quantidade. A madeira retirada das árvores, que já era usada na construção de casas, embarcações para pesca e combustível para cozimento de alimentos, passou a ser utilizada cada vez mais, a ponto de as árvores serem derrubadas numa escala maior que a capacidade de reposição da natureza. Começou a haver, então, um esgotamento dos recursos naturais: a floresta foi desaparecendo, e com ela a água, a fertilidade do solo, e o clima se tornou mais inóspito. Os ilhéus acreditaram que isso era fruto do descontentamento dos ancestrais e intensificaram a construção de estátuas ... até cortar a última árvore. E sem árvores não havia mais madeira para construir casas para morar e barcos para pescar ... As condições de vida se tornaram cada vez mais adversas, pois haviam destruído todo o sistema ecológico da ilha, criando uma crise ambiental, social e cultural.

Em 1722, quando navegantes europeus chegaram à ilha, encontraram cerca de mil indivíduos perambulando por terras desoladas cobertas apenas por arbustos, onde não havia mais nenhuma árvore; uma população desnutrida, onde os principais alimentos eram pequenos peixes capturados na praia e carne humana.

Essa ilha existe: é a Ilha de Páscoa, localizada no oceano Pacífico, distante milhares de quilômetros de qualquer outro lugar habitado; e é possível que essa seja a sua história: seus habitantes conseguiram transformar um paraíso numa terra estéril e desolada, – já o que se seguiu com a chegada dos europeus é uma outra trágica história.

A possível história da Ilha de Páscoa pode ser considerada uma metáfora do futuro do planeta Terra. A exploração irracional dos recursos naturais, em especial a derrubada de florestas além de sua capacidade de regeneração, mais o consumismo desenfreado de parte da população do planeta, pode levar a um esgotamento do planeta parecido com o que aconteceu na ilha. E, assim como na Ilha de Páscoa, isolada do resto do mundo por milhares de quilômetros e seu povo nela aprisionado sem poder sair, nós estamos no planeta Terra, nosso único lar, e não temos outro lugar para ir se este for destruído.

Nosso planeta possuía extensas e exuberantes florestas que cobriam quase 30% da superfície terrestre. Formavam grandes biomas responsáveis pela produção de oxigênio, absorção do carbono, regulando o clima, protegendo os mananciais e o solo, e fornecendo abrigo e alimento para os demais seres vivos. Para o homem sempre tiveram importância vital fornecendo alimentos, madeira, combustível, celulose para fabricação de papel, látex para a fabricação de borracha, princípios ativos e essências para medicamentos e perfumes, além de cortiças e resinas para diversos fins industriais. Árvores transplantadas para as cidades embelezam ruas, praças e jardins, melhorando o microclima local e a qualidade do ar, além de contribuir para o bem estar psicológico da população.
            
Diante disso tudo devemos nos perguntar: pode o ser humano viver sem as árvores? Tudo indica que não. Mas o que vemos é a contínua destruição e exploração não sustentável das florestas, o consumo de madeira ilegal e a rejeição da arborização urbana por parte de muitas pessoas. As conseqüências já estão aí e são perceptíveis: mudanças climáticas, aquecimento global, desertificação, perda de biodiversidade, entre outras.
            
Neste mês de setembro comemoramos o Dia da Árvore e o início da primavera. A primavera é a estação do ano que representa o renascer e renovação da vida. É quando as árvores e toda a vegetação ganham mais vida e exuberância, embelezando o mundo e nossas vidas, e a natureza mostra toda sua capacidade de regeneração. Mas até quando? Seria possível a tragédia da ilha acontecer em escala global? Não vale a pena pagar para ver! Vamos aproveitar a primavera, deixando que a beleza das flores e a alegria dos seres da natureza nos contagiem e tragam a renovação de nossas consciências!
           
           
             Elzo Savella é professor, 
ambientalista e gestor ambiental