domingo, 28 de junho de 2020

A IMPORTÂNCIA DA SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE

Artigo publicado no jornal Gazeta de Votorantim em 27/06/2020


Elzo Savella

A atuação do município na área ambiental se torna mais efetiva após a promulgação da Constituição Federal em 1988, quando este passa à condição de ente autônomo dentro do sistema federativo. Em sua competência legislativa sobre atividades relacionadas ao meio ambiente o município pode legislar no interesse local suplementando a legislação federal e estadual. Já em sua competência administrativa deve proteger o meio ambiente, sendo o ente federado que deve atuar em primeiro lugar, fazendo bem-feito tudo o que estiver ao seu alcance, dentro do princípio do federalismo e da descentralização democrática.

Diante dessas novas responsabilidades colocadas para os municípios pelo novo ordenamento jurídico surge um problema: qual a importância ou necessidade de se implantar uma estrutura de gestão ambiental na administração pública municipal? A hipótese que podemos formular é a de que um órgão de gestão ambiental na administração pública municipal planeja localmente as políticas públicas na área ambiental, gerencia as ações e otimiza os resultados, dentro da realidade e especificidades de cada município.  A partir dos novos marcos legais, e das suas induções à descentralização na administração pública, podemos afirmar que isso vem de encontro às necessidades dos tempos atuais de uma gestão mais moderna visando a sustentabilidade, considerando suas variáveis econômica, social, ambiental e, no caso das cidades, a urbana. E com essa descentralização administrativa e maior proximidade com as comunidades locais, estas podem ter maior participação e consciência a respeito da importância da preservação ambiental para a qualidade de vida.

Nas administrações públicas modernas, onde, como se disse, a tendência deve ser cada vez mais a busca pela sustentabilidade, se exige bom planejamento, visão de futuro, e governança sobre as transformações econômicas, sociais e ambientais locais. Com uma complexidade cada vez maior, surge a necessidade de modernização, melhor organização e participação social. E para isso é imprescindível uma estrutura político-administrativa ambiental.

Considera-se que a composição mínima da estrutura político-administrativa ambiental seja formada por um órgão executor que pode ser uma secretaria ou um departamento, cuja estruturação vai promover a eficiência do processo de gestão ambiental local e coordenar, preferencialmente de forma integrada e transversal, a gestão das políticas públicas de meio ambiente; por um conselho de meio ambiente, onde os atores sociais estejam representados para garantir a legitimidade do diálogo entre sociedade civil e Poder Público; e por um fundo municipal de meio ambiente, que vai “carimbar” para a área ambiental os recursos financeiros. E, a partir dessa estrutura, desenvolver uma Política Municipal de Meio Ambiente que, comprometida com os princípios da susten­tabilidade, potencialize a defesa e a preservação do meio ambiente local, a inclusão social e viabilidade econômica.

Porém um impasse que se revela quando se analisa os orçamentos e quadros técnicos na maioria dos municípios brasileiros, diz respeito a constatação de que esses municípios não dispõem de recursos humanos especializados para o desempenho de serviços de planejamento, controle e execução de ações ambientais. A limitada capacidade técnica da maioria das prefeituras é agravada pela falta de continuidade das políticas públicas quando das mudanças de governo. Podemos acrescentar a isso o fator financeiro, pois na maioria dos municípios que, apesar de ter alguma estrutura ambiental na administração, o orçamento da área ambiental é sempre o menor dentro de orçamento do município, sendo o suficiente, na maioria das vezes, apenas para cobrir a folha de pagamento dos funcionários.

Podemos concluir que a municipalização da questão ambiental é seguramente um passo evolutivo importante na gestão ambiental descentralizada no âmbito federativo e na institucionalização da participação social, pois é na esfera local que o diálogo entre os atores envolvidos, gestores e população, pode reconhecer e formular respostas aos graves problemas ambientais de nossas cidades. Porém muitos governos municipais ainda relutam em assumir ou em investir na gestão ambiental pública alegando falta de recursos e o atendimento de outras demandas mais urgentes, como as da educação e da saúde, esquecendo que a qualidade ambiental impacta positivamente e diretamente, de forma transversal, todas as demais áreas da administração pública. E que o meio ambiente preservado e saudável é qualidade de vida e saúde para as pessoas, ou seja, reduz a ocorrência de doenças e as demandas por atendimento nos serviços de saúde.

Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em ciências ambientais. savellax@gmail.com

domingo, 7 de junho de 2020

O CORONAVÍRUS E O MEIO AMBIENTE

Artigo publicado nos jornais Folha de Votorantim e Gazeta de Votorantim em 30/05/2020


Elzo Savella

Vivemos tempos de degradação do nosso planeta: exploração insustentável dos recursos naturais, destruição de ecossistemas e habitats, emissão de gases de efeito estufa, consumo desenfreado e concentração das riquezas; e isso gera: desiquilíbrio ecológico, poluição, mudanças climáticas, pobreza e doenças. Epidemias e pandemias são resultados dessa degradação ambiental.

É unanimidade entre os pesquisadores que existe uma relação direta entre degradação da natureza e doenças infecciosas, e que a ação destrutiva humana contra o meio ambiente gerou a pandemia da covid-19 que vivemos hoje, causada pelo novo coronavírus. Calcula-se que 61% dos organismos causadores de doenças são transmitidos a partir de animais, ou seja, são originadas de zoonoses que, com as intervenções e desiquilíbrio, são transferidas de animais silvestres para animais domésticos e para a espécie humana.

O mecanismo é simples: vírus, bactérias e outros microrganismos existem na natureza tendo como hospedeiros os animais silvestres, com o desmatamento e a redução dos habitats, com a consequente redução de populações desses animais, somado ao contato humano, o ciclo natural se rompe e os agentes infecciosos escapam, transbordam, e, por força da seleção natural, podem passar por mutações e adaptações e encontram novo hospedeiro na espécie humana que ainda não tem defesas imunológicas contra esses agentes, causando epidemias e pandemias.

Na história da humanidade podemos encontrar registros de muitas epidemias e pandemias. A mais famosa delas, a peste bubônica ou peste negra, ocorrida no século XIV, teve como agente infeccioso uma bactéria transmitida pela pulga que se hospedava em ratos, e se proliferou devido às péssimas condições de saneamento ambiental reinantes nas cidades medievais. Calcula-se que matou 200 milhões de pessoas. A cólera, que já matou, e ainda mata, milhões de pessoas, é doença de veiculação hídrica provocada por bactéria, e é causada também pela falta de saneamento. Mais recentemente podemos citar a gripe espanhola (1918/1920), causada pelo vírus influenza, com origem em aves e porcos; a AIDS, com provável origem em chimpanzés; a febre amarela, com origem em macacos; a gripe aviária (2003/2005), transmitida por aves; a gripe suína (2009), causada pelo H1N1 e transmitida por porcos criados em condições precárias de confinamento; o ebola, transmitido por morcegos e macacos; a SARS e a MERS, também causadas por coronavírus e transmitidas por morcegos, gatos e camelos. A atual pandemia, a covid-19, causada pelo novo coronavírus, provavelmente tem como vetores morcegos e pangolins, animais silvestres comercializados no mercado de animais de Wuhan, na China, e consumidos como alimentos por humanos.

Os animais devem ser vistos então como inimigos? Não, não são inimigos. São nossos aliados. Devemos entender a importância deles dentro dos ecossistemas para o equilíbrio ambiental. O fato de os agentes infecciosos estarem nesses animais, num ciclo natural, é o que nos dá a segurança de que não virão para nós. O vírus só vai passar quando interferirmos diretamente sobre esses animais e em seu ambiente. Um bom exemplo é o caso da febre amarela: a morte de macacos é indicador de um surto, da presença da doença naquele ambiente, que teve uma quebra do ciclo normal do vírus. No caso dos morcegos, quando tem uma interferência em sua população, com redução ou aumento, o vírus pode “pular” para outra espécie. O melhor é não interferir na natureza, deixar o sistema acontecer como ele sempre aconteceu. Então, não devemos manter contato direto com animais silvestres e muito menos usá-los na alimentação ou mantê-los em cativeiro; e, quanto aos animais domésticos, mantê-los sempre em boas condições sanitárias.

O futuro, porém, não é muito animador. Com o aquecimento global, os solos congelados próximos ao Ártico, o permafrost, estão descongelando. Esse processo está liberando, além de muito gás metano, muitos vírus, bactérias e outros microrganismos desconhecidos que estão ali adormecidos por milhares de anos. A nossa Amazônia, em constante processo de devastação, também é um repositório de organismos ainda desconhecidos que poderão ser liberados para infectar a espécie humana e animais domésticos, e não podemos saber como vai ser o ciclo desses microrganismos.

Podemos concluir que, continuando a atual escalada de destruição de ecossistemas e habitats, somado ao aquecimento global, as ocorrências de epidemias e pandemias se tornarão cada vez mais comuns. Devemos, então, aprender com as lições que a atual pandemia pode nos deixar: precisamos repensar nossos padrões de consumo, nossa relação com a natureza, nossa vida em sociedade; que precisamos de um mundo mais solidário, humano e justo, com equilíbrio ambiental, justiça social e um novo modelo econômico viável, ou seja, o caminho para a sustentabilidade. Se não evoluirmos para uma nova sociedade, menos egoísta e mais sustentável, não teremos futuro por aqui.

Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em ciências ambientais. savellax@gmail.com