Publicado na Folha de Votorantim em 21/08/2008
Elzo Savella
Por
volta do ano 900 d.c., um grupo de navegantes, após viajar milhares de
quilômetros por mar, chegou a uma exuberante ilha povoada de árvores e
palmeiras. Um verdadeiro paraíso. A ilha possuía florestas que ofereciam
alimentos e madeira, água para matar a sede e para irrigação, terras para
agricultura, e bom clima. De tão generosa que era a natureza da ilha, essas
pessoas nela se estabeleceram, constituíram uma sociedade organizada,
desenvolveram uma rica e original cultura e se multiplicaram. Calcula-se que no
auge dessa civilização a população chegou a 15 mil habitantes.
Nessa cultura peculiar, os ilhéus
desenvolveram uma tecnologia para construção de gigantescas estátuas de pedra
para homenagear seus ancestrais. Essas estátuas eram esculpidas no centro da
ilha, onde estava a matéria prima, e eram transportadas para o litoral, ficando
de costas para o mar, de onde vieram os antepassados. A construção dessas
estátuas e seu transporte até o local de culto exigiam uma grande quantidade de
madeira, pois as estátuas eram puxadas por cordas deslizando por quilômetros em
cima de troncos de árvores e palmeiras.
Essa sociedade era dividida em
clãs, que competiam entre si, entre outras coisas, na construção de estátuas
cada vez maiores e em maior quantidade. A madeira retirada das árvores, que já
era usada na construção de casas, embarcações para pesca e combustível para
cozimento de alimentos, passou a ser utilizada cada vez mais, a ponto de as
árvores serem derrubadas numa escala maior que a capacidade de reposição da
natureza. Começou a haver, então, um esgotamento dos recursos naturais: a
floresta foi desaparecendo, e com ela a água, a fertilidade do solo, e o clima
se tornou mais inóspito. Os ilhéus acreditaram que isso era fruto do
descontentamento dos ancestrais e intensificaram a construção de estátuas ...
até cortar a última árvore. E sem árvores não havia mais madeira para construir
casas para morar e barcos para pescar ... As condições de vida se tornaram cada
vez mais adversas, pois haviam destruído todo o sistema ecológico da ilha,
criando uma crise ambiental, social e cultural.
Em 1722, quando navegantes europeus
chegaram à ilha, encontraram cerca de mil indivíduos perambulando por terras
desoladas cobertas apenas por arbustos, onde não havia mais nenhuma árvore; uma
população desnutrida, onde os principais alimentos eram pequenos peixes
capturados na praia e carne humana.
Essa ilha existe: é a Ilha de
Páscoa, localizada no oceano Pacífico, distante milhares de quilômetros de
qualquer outro lugar habitado; e é possível que essa seja a sua história: seus
habitantes conseguiram transformar um paraíso numa terra estéril e desolada, –
já o que se seguiu com a chegada dos europeus é uma outra trágica história.
A possível história da Ilha de
Páscoa pode ser considerada uma metáfora do futuro do planeta Terra. A
exploração irracional dos recursos naturais, em especial a derrubada de
florestas além de sua capacidade de regeneração, mais o consumismo desenfreado
de parte da população do planeta, pode levar a um esgotamento do planeta
parecido com o que aconteceu na ilha. E, assim como na Ilha de Páscoa, isolada
do resto do mundo por milhares de quilômetros e seu povo nela aprisionado sem
poder sair, nós estamos no planeta Terra, nosso único lar, e não temos outro
lugar para ir se este for destruído.
Nosso
planeta possuía extensas e exuberantes florestas que cobriam quase 30% da
superfície terrestre. Formavam grandes biomas responsáveis pela produção de
oxigênio, absorção do carbono, regulando o clima, protegendo os mananciais e o
solo, e fornecendo abrigo e alimento para os demais seres vivos. Para o homem
sempre tiveram importância vital fornecendo alimentos, madeira, combustível,
celulose para fabricação de papel, látex para a fabricação de borracha,
princípios ativos e essências para medicamentos e perfumes, além de cortiças e
resinas para diversos fins industriais. Árvores transplantadas para as cidades
embelezam ruas, praças e jardins, melhorando o microclima local e a qualidade
do ar, além de contribuir para o bem estar psicológico da população.
Diante disso tudo devemos nos perguntar: pode o ser humano viver sem as
árvores? Tudo indica que não. Mas o que vemos é a contínua destruição e
exploração não sustentável das florestas, o consumo de madeira ilegal e a
rejeição da arborização urbana por parte de muitas pessoas. As conseqüências já
estão aí e são perceptíveis: mudanças climáticas, aquecimento global,
desertificação, perda de biodiversidade, entre outras.
Neste mês de setembro comemoramos o Dia da Árvore e o início da
primavera. A primavera é a estação do ano que representa o renascer e renovação
da vida. É quando as árvores e toda a vegetação ganham mais vida e exuberância,
embelezando o mundo e nossas vidas, e a natureza mostra toda sua capacidade de
regeneração. Mas até quando? Seria possível a tragédia da ilha acontecer em
escala global? Não vale a pena pagar para ver! Vamos aproveitar a primavera,
deixando que a beleza das flores e a alegria dos seres da natureza nos
contagiem e tragam a renovação de nossas consciências!
Elzo Savella é
professor,
ambientalista e gestor ambiental