quarta-feira, 2 de abril de 2014

RIO SOROCABA: PRAZER EM CONHECER!

ARTIGO

Publicado na Folha de Votorantim em 25 de março de 2014

Elzo Savella


LEI Nº 1383 Dispõe sobre a instituição do “Dia do Rio Sorocaba”.
Art. 1º -  Fica instituído o “Dia do Rio Sorocaba”, a ser
comemorado anualmente no dia 25 de março.

Nasci e me criei às margens do rio Sorocaba. Minha infância e adolescência foram marcadas pelo cruzar a ponte da rua Olaria inúmeras vezes ao dia para ir do bairro da Chave à antiga rua do Comércio. Outro ponto familiar do rio era a cachoeira da Chave, mas esse de atratividade para o lazer, onde a criançada muitas vezes se arriscava em aventuras às escondidas. Naquele tempo parece que não havia perigos e, ademais, para aqueles que moravam na Chave, a cachoeira estava praticamente no quintal de suas casas. Brincávamos em suas águas como quem brinca com um amigo. Ainda eram águas limpas e cristalinas. Pescávamos também!

Ao passar sobre a ponte sempre foi inevitável a reflexão sobre a origem e o destino daquelas águas que sob a ponte passavam. Às vezes rápidas, às vezes lentas. Às vezes ralas, às vezes volumosas. Algumas vezes ameaçadoras! Os mais antigos falavam da famosa enchente de 1929. Sempre tinha o perigo de acontecer outra vez. Em 1982 aconteceu de novo. Mas o rio sempre foi generoso. Podemos dizer que Votorantim é uma dádiva do rio Sorocaba, pois a cidade surgiu da força motriz que o rio oferece especialmente aqui, descendo a serra. E sua gente sempre saciou a sede com sua água. Esse é o rio Sorocaba que conheci. O rio da minha terra. “Deste meu Votorantim”.

Já adulto, recentemente, tive uma rara oportunidade. Um privilégio e uma honra. A proposta era percorrer o rio Sorocaba em toda sua extensão, desde o seu surgimento até sua desembocadura. Percorrer quilometro por quilometro, algumas vezes a pé por suas margens, mas a maior parte do percurso navegando suas águas, todos os 257 km do leito do nosso rio. Esclarecer (para o menino sobre a ponte) a origem e o destino daquelas águas que por debaixo daquela ponte passavam!

E fomos nessa empreitada! Mas, 257 km!? Nasce em Ibiúna e desemboca no rio Tietê? Passa por mais onze cidades além de Votorantim? Aí o rio já se tornou um desconhecido, um estranho.

Pude ver o nascimento do rio Sorocaba. Acontece no município de Ibiúna com o encontro, ou confluência, das águas dos rios Sorocamirim e Sorocabuçu. Nasce pequeno, de margem a margem tem no máximo 3 m de largura. Aí corre manso cortando várzeas e banhados por 3 km até o lago da represa de Itupararanga. Para atravessar a represa são 26km de navegação. Podemos observar belíssimas paisagens, mas também muitos problemas como áreas ciliares desmatadas, ocupação imobiliária irregular, agricultura com uso de agrotóxicos e esgoto sem tratamento. Isso pode vir a comprometer a qualidade das águas para consumo humano. Mas ainda não. A água é boa.

Saindo da barragem, o rio começa a descer a serra: são mais três represas (do Clemente, Santa Helena e Votocel); e belíssimas cachoeiras: do Cachoeirão (Itupararanga) até a cachoeira da Chave (Vuturaty). Atravessando Votorantim e Sorocaba muitas agressões do passado foram revertidas: esgoto tratado e mata ciliar se regenerando! Podemos ver a vida voltando ao rio: peixes, biguás, garças, socós, cágados e capivaras.

O rio segue adiante em busca de seu destino. Já ficaram para trás seis cidades. Ainda vai encontrar outras seis pelo seu caminho, às quais vai abastecer com sua generosidade. Mais duas represas/usinas geradoras de energia (Santa Adélia e San Juan). Vai crescendo, recebendo seus contribuintes: o rio Ipanema, o Sarapuí, o Tatuí e outros. Vai se alargando, se avolumando. Em alguns trechos chega a mais de 150m de largura. Mata ciliar exuberante, fauna abundante. Mas só em alguns trechos. Em outros, esgotos e desmatamento parecem matar o rio com a falta de oxigênio e assoreamento pela erosão de suas margens. Ah, tem o sumidouro! Lá em Cerquilho. Onde o rio, já imenso, com mais de 100m de largura, some por baixo de lajes de pedra e cavernas subterrâneas. Impressionante!

Mas impressionante mesmo é a sua capacidade de resiliência. Quando sai de Sorocaba podemos observar a grande quantidade de lixo que a cidade, ou melhor, que gente sem respeito por nada, nele descartou e que flutua em suas águas, e, a partir daí, a cada cidade que passa, a grande quantidade de esgoto que recebe. Desse ponto, saindo de Sorocaba até sua desembocadura, o rio vai morrendo e renascendo. Morre e renasce para morrer novamente logo adiante. Vai dando vida às cidades e sendo morto por elas. O rio Sorocaba é um herói: resiste. Quando quase morto, ainda dá vida a muitos.

Mas o destino final o aguarda. Novamente depurado, chega bonito, limpo e formoso ao seu encontro com o rio Tietê... desemboca nas águas pútridas do Tietê! Tudo perdido. É um encontro final com a morte. Apesar do destino inglório, percorreu heroicamente seu caminho. Deu água, alimentos, lazer e energia por onde passou. Foi respeitado por uns e agredido por outros. Até quando?

Esse é o rio Sorocaba que tive o privilégio de percorrer por inteiro. Prazer em conhecer! Parabéns pelo seu dia!

         
Elzo Savella é professor, ambientalista, gestor ambiental, mestre em sustentabilidade, integrante do grupo Caturro Navegantes e navega o rio Sorocaba há sete anos. savellax@gmail.com

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