ARTIGO
Publicado na Folha de Votorantim em 25 de março de 2014
Elzo Savella
Elzo Savella
LEI Nº
1383 Dispõe sobre a
instituição do “Dia do Rio Sorocaba”.
Art. 1º
- Fica instituído o “Dia do Rio Sorocaba”, a ser
comemorado anualmente no dia 25 de março.
Nasci e me criei às margens do rio
Sorocaba. Minha infância e adolescência foram marcadas pelo cruzar a ponte da
rua Olaria inúmeras vezes ao dia para ir do bairro da Chave à antiga rua do
Comércio. Outro ponto familiar do rio era a cachoeira da Chave, mas esse de
atratividade para o lazer, onde a criançada muitas vezes se arriscava em
aventuras às escondidas. Naquele tempo parece que não havia perigos e, ademais,
para aqueles que moravam na Chave, a cachoeira estava praticamente no quintal
de suas casas. Brincávamos em suas águas como quem brinca com um amigo. Ainda
eram águas limpas e cristalinas. Pescávamos também!
Ao passar sobre a ponte sempre foi
inevitável a reflexão sobre a origem e o destino daquelas águas que sob a ponte
passavam. Às vezes rápidas, às vezes lentas. Às vezes ralas, às vezes volumosas.
Algumas vezes ameaçadoras! Os mais antigos falavam da famosa enchente de 1929. Sempre
tinha o perigo de acontecer outra vez. Em 1982 aconteceu de novo. Mas o rio
sempre foi generoso. Podemos dizer que Votorantim é uma dádiva do rio Sorocaba,
pois a cidade surgiu da força motriz que o rio oferece especialmente aqui,
descendo a serra. E sua gente sempre saciou a sede com sua água. Esse é o rio
Sorocaba que conheci. O rio da minha terra. “Deste meu Votorantim”.
Já adulto, recentemente, tive uma
rara oportunidade. Um privilégio e uma honra. A proposta era percorrer o rio
Sorocaba em toda sua extensão, desde o seu surgimento até sua desembocadura.
Percorrer quilometro por quilometro, algumas vezes a pé por suas margens, mas a
maior parte do percurso navegando suas águas, todos os 257 km do leito do nosso
rio. Esclarecer (para o menino sobre a ponte) a origem e o destino daquelas
águas que por debaixo daquela ponte passavam!
E fomos nessa empreitada! Mas, 257
km!? Nasce em Ibiúna e desemboca no rio Tietê? Passa por mais onze cidades além
de Votorantim? Aí o rio já se tornou um desconhecido, um estranho.
Pude ver o nascimento do rio
Sorocaba. Acontece no município de Ibiúna com o encontro, ou confluência, das
águas dos rios Sorocamirim e Sorocabuçu. Nasce pequeno, de margem a margem tem
no máximo 3 m de largura. Aí corre manso cortando várzeas e banhados por 3 km
até o lago da represa de Itupararanga. Para atravessar a represa são 26km de navegação.
Podemos observar belíssimas paisagens, mas também muitos problemas como áreas
ciliares desmatadas, ocupação imobiliária irregular, agricultura com uso de
agrotóxicos e esgoto sem tratamento. Isso pode vir a comprometer a qualidade
das águas para consumo humano. Mas ainda não. A água é boa.
Saindo da barragem, o rio começa a
descer a serra: são mais três represas (do Clemente, Santa Helena e Votocel); e
belíssimas cachoeiras: do Cachoeirão (Itupararanga) até a cachoeira da Chave
(Vuturaty). Atravessando Votorantim e Sorocaba muitas agressões do passado
foram revertidas: esgoto tratado e mata ciliar se regenerando! Podemos ver a
vida voltando ao rio: peixes, biguás, garças, socós, cágados e capivaras.
O rio segue adiante em busca de seu
destino. Já ficaram para trás seis cidades. Ainda vai encontrar outras seis pelo
seu caminho, às quais vai abastecer com sua generosidade. Mais duas represas/usinas
geradoras de energia (Santa Adélia e San Juan). Vai crescendo, recebendo seus
contribuintes: o rio Ipanema, o Sarapuí, o Tatuí e outros. Vai se alargando, se
avolumando. Em alguns trechos chega a mais de 150m de largura. Mata ciliar
exuberante, fauna abundante. Mas só em alguns trechos. Em outros, esgotos e
desmatamento parecem matar o rio com a falta de oxigênio e assoreamento pela erosão
de suas margens. Ah, tem o sumidouro! Lá em Cerquilho. Onde o rio, já imenso,
com mais de 100m de largura, some por baixo de lajes de pedra e cavernas
subterrâneas. Impressionante!
Mas impressionante mesmo é a sua
capacidade de resiliência. Quando sai de Sorocaba podemos observar a grande
quantidade de lixo que a cidade, ou melhor, que gente sem respeito por nada, nele
descartou e que flutua em suas águas, e, a partir daí, a cada cidade que passa,
a grande quantidade de esgoto que recebe. Desse ponto, saindo de Sorocaba até
sua desembocadura, o rio vai morrendo e renascendo. Morre e renasce para morrer
novamente logo adiante. Vai dando vida às cidades e sendo morto por elas. O rio
Sorocaba é um herói: resiste. Quando quase morto, ainda dá vida a muitos.
Mas o destino final o aguarda.
Novamente depurado, chega bonito, limpo e formoso ao seu encontro com o rio
Tietê... desemboca nas águas pútridas do Tietê! Tudo perdido. É um encontro
final com a morte. Apesar do destino inglório, percorreu heroicamente seu
caminho. Deu água, alimentos, lazer e energia por onde passou. Foi respeitado
por uns e agredido por outros. Até quando?
Esse é o rio Sorocaba que tive o privilégio
de percorrer por inteiro. Prazer em conhecer! Parabéns pelo seu dia!
Elzo
Savella é
professor, ambientalista, gestor ambiental, mestre em sustentabilidade,
integrante do grupo Caturro Navegantes e navega o rio Sorocaba há sete anos.
savellax@gmail.com
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