sábado, 12 de setembro de 2015

O PLANO DIRETOR E O MEIO AMBIENTE

ARTIGO

Publicado no jornal Gazeta de Votorantim de 12/09/2015

Elzo Savella

O Plano Diretor é o principal instrumento jurídico para as políticas públicas de desenvolvimento e planejamento das cidades. Deve abranger o planejamento urbano, econômico, social e ambiental, enfim, o conjunto de políticas que visam ordenar o pleno desenvolvimento das funções de uma cidade. Deve conter as diretrizes, normas e determinar os planos e programas setoriais para o desenvolvimento sustentável do município.
   
Estabelecer uma nova realidade urbanística -- com o correto ordenamento do território --, a viabilidade econômica local, a busca pela equidade social, a preservação ambiental, ou seja, a sustentabilidade, visando a qualidade de vida de toda a comunidade, deve ser o objetivo maior do Plano Diretor. Assim teremos cidades sustentáveis no sentido mais amplo e atual do termo.

Nesse sentido, e principalmente nos aspectos ambientais, num primeiro momento, o Projeto de Lei Complementar n.º 001/2015, que dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município de Votorantim, está de parabéns, pois, de forma contemporânea, traz muitos avanços se comparado com os anteriores. Contempla em suas diretrizes e objetivos, para citar alguns aspectos positivos, o saneamento ambiental – mais amplo que o saneamento básico --, compatibilização entre desenvolvimento urbano e meio ambiente, a sustentabilidade (econômica, social e ambiental) e dá grande ênfase à proteção ambiental.

Entre os principais instrumentos da política urbana temos a instituição do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV); no zoneamento, a criação das zonas de conservação ambiental, de conservação de recursos hídricos e a zona da APA de Itupararanga – antiga reivindicação do Conselho Gestor da APA --; temos a correta definição dos espaços livres de uso público e, um grande avanço, o estabelecimento de um percentual de 20% de área destinada a esse fim nos novos parcelamentos de solo, quando anteriormente esse percentual era de 10%; a criação do Sistema de Áreas Verdes englobando parques urbanos e áreas de lazer; o estabelecimento de uma faixa de proteção de 30m nas margens dos reservatórios hídricos artificiais – áreas que o novo código florestal deixou desprotegidas. Grandes avanços!

Porém, numa primeira análise, podemos apontar dois pontos frágeis do projeto proposto. O primeiro é que estabelece metas prioritárias, mas não estabelece prazos para cumprimento dessas metas e implementação de suas principais ações, assim como também não para as regulamentações da legislação e instrumentos. Remete isso aos planos e programas setoriais que serão executados com curto, médio e longo prazos, mas eles próprios não tem prazos para início. Outro aspecto a se destacar é a aparente falta de embasamento suficiente em estudos, diagnósticos, estatísticas e projeções para se estabelecer metas, zoneamentos ou obras prioritárias. Como é o caso do anel viário: que estudos foram feitos para mensurar os benefícios que trará? Que dados estatísticos apresentam o número de veículos que deixarão de trafegar pelo centro da cidade? A relação custo/benefício é vantajosa? Sabemos que uma obra desse porte, quando de sua execução, demandará um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e os devidos licenciamentos, isso ao seu tempo é claro, não é para agora. Mas a simples proposta de uma obra dessa magnitude deveria contemplar pelo menos o custo/benefício e os impactos que representará, e não apenas surgir em um anexo do projeto de lei sem a devida justificativa e avaliação da real necessidade.

Podemos concluir que o PL do PDDI contém grandes avanços no que se refere a diretrizes e instrumentos de políticas públicas, principalmente na interface com a área ambiental, mas falha ao não apresentar prazos de aplicação e referências de estudos e dados que o embasem ou que demonstrem o grau de conhecimento do estado atual do município e das demandas futuras.


Elzo Savella é professor, historiador, gestor ambiental, mestre em sustentabilidade, membro do Conselho Gestor da APA de Itupararanga. savellax@gmail.com

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

MOVIMENTO AMBIENTALISTA EM VOTORANTIM


ARTIGO

Publicado no jornal Folha de Votorantim de 3 de setembro de 2015

Elzo Savella

Surgido no início da década de 1960, no contexto dos movimentos de contracultura, o moderno movimento ambientalista avançou bastante em termos de organização e conquistas, não obstante nossa civilização continuar na rota desastrosa do produtivismo/consumismo exaurindo os recursos naturais e degradando o planeta. Embora no final do século XIX já existissem movimentos preservacionistas e conservacionistas em muitos países, é nos anos 60 do século passado, juntamente com os movimentos pacifista, feminista, hippie, estudantil, que o movimento ambientalista começa a se organizar e a ganhar força.

Desastres ambientais, poluição -- como o grande fog/smog de Londres em 1952 --, contaminações -- como da Baía de Minamata em 1956 --, pesticidas agrícolas -- denunciados no livro Primavera Silenciosa da bióloga Rachel Carson em 1962 -- começam a inquietar amplos setores da sociedade, em especial nos países industrializados, criando as condições para organização de movimentos naquela época ainda chamados de ecológicos.

As pressões dos movimentos sociais e do meio acadêmico levam a ONU a organizar em 1972 a Conferência Sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo. Essa conferência é um marco do início e avanço das discussões e ações dos governos, academia e sociedade civil em termos institucionais. Mas, talvez, tão ou mais importante para o movimento ambientalista, foi o que aconteceu paralelo à Conferência, nas ruas de Estocolmo: a marcha de 10.000 pessoas constituindo o Fórum do Povo!

A partir desses marcos, o movimento ambientalista deslancha até chegar aos tempos das ONGs (organizações não governamentais), nas décadas de 1980 e 1990, como instrumentos da sociedade civil -- grandes ONGs como Greenpeace, WWF, Conservation International e a disseminação de milhões dessas entidades pelo mundo -- e dos Partidos Verdes como instrumentos de ação política institucional com a bandeira ecologista.

O movimento ambientalista cresceu, ocupou espaços e se diversificou em muitos “ismos”: ecologismo, preservacionismo, conservacionismo, ecossocialismo, sustentabilismo, socioambientalismo, etc., além de ser em grande parte cooptado pelo sistema produtivo dominante (capitalismo verde?), o que reflete a grande riqueza e diversidade do movimento, mas que o priva de uma estratégia comum e, talvez, até da característica de movimento.

No Brasil, o ambientalismo só começa a ganhar força com o início do processo de redemocratização no final dos anos 70, quando a sociedade começa a se reorganizar politicamente em partidos e entidades de representação. Na estrutura da administração pública são criados o Ministério do Meio Ambiente, o IBAMA, o CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente, secretarias estaduais e municipais de meio ambiente, e há grande expansão do número de unidades de conservação. Começam a surgir as grandes – SOS Mata Atlântica, Ecoar, ISA Instituto Socioambiental – e milhares de pequenas ONGs. É a sociedade se organizando onde o Estado ainda falha. Na política institucional surgem dois partidos com a bandeira verde e um terceiro está surgindo.

Em Votorantim, o primeiro registro de existência de alguma organização ambientalista data de 1990. O Grupo Ecológico Cascata Branca foi uma entidade ambientalista formada por estudantes de uma escola pública de primeiro grau e estudantes universitários. Atuou intensamente durante os anos 90, 91 e 92, com uma movimentação em prol da implantação do Parque Municipal da Cachoeira, depois se desarticulou. Mas sua bandeira ainda tremula!

Posteriormente, surgiram ONGs como a Associação de Proteção e Preservação Ambiental (APPA), Grupo Interdisciplinar Ambiental (GIA), ONG Itupararanga, Grupo de Apoio Pedagógico (GAPE) que, juntamente com militantes ambientalistas independentes, constituíram em 2004 o fórum ambiental Grupo de Trabalho Ambiental (GTA) Jerivá. A esse grupo se juntaram até o ano 2007 outras entidades, como: Associação Amigos dos Animais de Votorantim (AAAV), Associação Mato Nativo, Grupo Cascata Branca de Trekking, Instituto Ambiental para a Proteção Educação e Cultura (IAPEC), Território Animal, Prosa na Serra, Amainan, além de contar com apoio do Centro de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento Emprego e Cidadanaia (CEADEC) e participação do Grupo de Escoteiros Vuturaty.

Esse fórum ambiental municipal chegou a ter a participação de treze entidades ambientalistas, além de militantes independentes. As discussões desse fórum foram levadas como reivindicação do movimento ambientalista ao governo municipal. A pauta apresentada foi: criação da Secretaria de Meio Ambiente, do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, adoção de uma Política Municipal de Meio Ambiente e revitalização do Parque do Matão. Na época, o prefeito Jair Cassola, sensível às questões ambientais, assumiu o compromisso com essa pauta e criou e instalou, em 2005, a SEMA e o COMDEMA no âmbito da Administração Pública Municipal. Podemos creditar essas conquistas ao movimento ambientalista em nossa cidade. Posteriormente, com o GTA Jerivá deixando de ser um fórum e tornando-se uma ONG em 2008 e, com a ida de vários ambientalistas para a Administração Municipal, houve um certo esvaziamento do movimento ambientalista local.

No ano de 2011, um grupo de sessenta e dois ambientalistas de Votorantim subscreveu um manifesto pela unidade na defesa da causa ambiental em nossa cidade. A partir desse manifesto foi realizado um encontro, no mesmo ano, com a proposta de se resgatar a ideia do fórum ambiental, e decidiu-se pela criação de uma entidade que congregasse ambientalistas e outras entidades locais para a discussão dos problemas ambientais de nossa cidade e elaboração de propostas e projetos. Foi criada a Associação Vuturaty Ambiental (AVA), que se consolidou e continua atuante com o propósito original, congregando ambientalistas e desenvolvendo projetos.

Como vemos, o movimento ambientalista tem história e conquistas em nossa cidade. E essa história não pode se perder. E não pode se perder não apenas pelo seu registro, mas porque tem que ter continuidade!

Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em sustentabilidade. savellax@gmail.com