terça-feira, 28 de março de 2017

NOSSAS ÁGUAS

Artigo publicado no jornal Gazeta de Votorantim de 25/03/2017

Elzo Savella

O município de Votorantim é cortado em 19 Km de seu território pelo rio Sorocaba, principal afluente da margem esquerda do rio Tietê. Nas cabeceiras do rio Sorocaba está a represa de Itupararanga, com uma reserva média de 286 milhões de m³ de água, cuja barragem e 5% de sua bacia está localizada em Votorantim. Se observarmos o mapa hidrográfico do município veremos centenas de ribeirões, riachos e córregos formando dezenas de microbacias hidrográficas. Nascentes perenes, aquelas de fluxo contínuo que formam corrégos, são 473! Dezenas de belíssimas cachoeiras demonstram de forma exuberante a riqueza e a força hídrica de nosso município.

Na cidade, 99% da população tem acesso a água tratada. Quatro estações de tratamento de água (ETAs) tratam e distribuem até 33 milhões de litros por dia. A coleta de esgoto atende também 99% do esgoto gerado e trata 92% através de três estações de tratamento (ETEs). Isso representa a quase total despoluição do rio Sorocaba em nosso município!

Existe em nosso município uma legislação ambiental bem avançada. Entre essas leis, no que se refere a proteção da água, temos a lei  2060/2009 que dispõe sobre a proteção das nascentes, mananciais e áreas ciliares dos corpos d’água no município. Uma lei municipal que complementa de forma mais restritiva a legislação estadual e federal.

Assim exposto nos mapas e números, nos parece que somos privilegiados, que vivemos em um verdadeiro paraíso hídrico. Assim foi, e assim ainda deveria ser! Mas não é. Se formos a campo vamos constatar que, conforme estimativas de estudos já realizados, das 473 nascentes, aproximadamente 20% já desapareceu e com elas seus respectivos córregos. Os dois principais ribeirões, o Cubatão e o Ipaneminha, tiveram seus níveis drasticamente reduzidos nas últimas décadas. Importantes córregos, como o do Itapeva, do Vidal e São João, estão reduzidos a um fio de água e algum esgoto clandestino ainda. O próprio rio Sorocaba teve sua vazão média histórica reduzida nas últimas décadas de 11m³/s para 9m³/s em nosso município. Uma redução de quase 20% no volume de água.

Essa redução da disponibilidade hídrica tem causas óbvias: desmatamento, impermeabilização do solo, supressão de nascentes e uso não racional da água. Isso sem considerar as mudanças climáticas, um fenômeno de escala global de origem antrópica. Os pontos positivos são os avanços no tratamento do esgoto e algumas ações, ainda insuficientes, de revegetação, principalmente das áreas ciliares. Mas ainda é preciso muito mais.

Não bastassem esses problemas locais, pelos quais somos responsáveis e devemos dar conta, surge agora uma ameaça maior, de caráter regional. Uma grande empresa quer desenvolver uma atividade mineradora de extração de areia e argila nas várzeas dos rios Sorocamirim e Sorocabuçu, exatamente no ponto de confluência desses rios formando o rio Sorocaba. Pretende-se extrair mensalmente 40 mil toneladas de areia e argila em uma área de várzea 4 km a montante da represa, colocando em risco as águas formadoras da represa de Itupararanga. O processo de licenciamento é de responsabilidade da CETESB, mas a sociedade deve se mobilizar para impedir a total degradação do rio Sorocaba já no seu marco zero.

Se as atuais políticas públicas, ou a ausência delas, não estão revertendo a degradação e as ameaças aos nossos mananciais, cabe à sociedade se mobilizar na defesa de nossas águas.

Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em sustentabilidade. savellax@gmail.com


quinta-feira, 16 de março de 2017

DRENAGEM URBANA E ENCHENTES

Artigo publicado no jornal Folha de Votorantim de 16/03/2017

Elzo Savella

As bacias hidrográficas são os caminhos naturais da drenagem das águas pluviais e das que brotam dos lençóis freáticos através das nascentes. Quando da precipitação das águas das chuvas, parte dessas águas se infiltra no solo alimentando os lençóis freáticos e os aquíferos. Outra parte escoa superficialmente em direção às calhas dos rios tendo sua velocidade controlada pela vegetação, permitindo maior infiltração e evitando a erosão e, consequentemente, o assoreamento dos corpos d’água. Nas estações chuvosas, quando a maior precipitação se concentra em menores períodos e o solo fica saturado de umidade, os corpos d’água transbordam e ocupam suas áreas naturais de inundação: as várzeas. Isso faz parte do ciclo hidrológico.

Com a urbanização e a impermeabilização do solo, o percentual de infiltração das águas pluviais é muito baixo e o maior volume delas corre superficialmente ou pelas galerias, chegando rapidamente às calhas dos rios que têm seus níveis aumentados rapidamente, transbordando. Outra agravante é que as várzeas, que seriam o escape dessas águas, geralmente estão ocupadas por habitações ou equipamentos urbanos. O resultado são as enchentes. Sem falar que, com a remoção da vegetação que protege o solo da erosão e permite maior infiltração, muitas áreas de topografia mais acidentada têm seus barrancos solapados pela água provocando deslizamentos de terra. Temos as áreas de risco.

Localizada aos pés da serra de São Francisco, Votorantim recebe dois importantes corpos d’água que descem a serra e cortam sua malha urbana: o rio Sorocaba e o ribeirão Cubatão. O rio Sorocaba tem seu fluxo e velocidade regulados por quatro represas, sendo a maior delas a de Itupararanga, o que evita, por exemplo, que sua área central, que ocupa uma várzea, seja inundada a cada estação chuvosa. O Cubatão, apesar de ser um corpo menor e de existirem dois pequenos barramentos no seu curso, não tem um controle efetivo de seu fluxo e desce a serra com grande velocidade, buscando ocupar suas áreas de várzea que hoje estão ocupadas pela urbanização. Há uma disputa de espaço entre a cidade e o rio.

Hoje o principal problema de inundação em Votorantim está na região das várzeas do Cubatão, ou seja, nos bairros do Fornazari e Barra Funda, cuja população vem sofrendo mais a cada ano. Votorantim possui um sistema de drenagem razoável, porém já dando sinais de que está ficando defasado diante da demanda. Problema que pode, ou irá, aumentar com a constante expansão urbana acompanhada da impermeabilização do solo.

O que fazer? Algumas medidas são urgentíssimas, outras de curto, médio e longo prazos. São necessárias medidas emergenciais de manutenção, desobstrução e limpeza do sistema de drenagem (bacias de contenção, galerias, bocas de lobo); desassoreamento e aprofundamento das calhas dos córregos, ribeirões e rio Sorocaba; campanha educativa junto à população para o combate da poluição difusa que obstrui as bocas de lobo e galerias; e um efetivo plano emergencial para a Defesa Civil.

No curto prazo duas medidas não estruturais, mas de suma importância, são a atualização do Plano Municipal de Saneamento Básico e a elaboração do Plano Diretor de Drenagem Urbana, que vão estabelecer as diretrizes, orientações e embasamentos para o redimensionamento do sistema de drenagem e para a redução do risco de enchentes e calamidades. Esses planos devem conter diagnósticos sobre a situação atual do sistema de drenagem e o planejamento de seu redimensionamento e expansão a curto, médio e longo prazos. Mas devem dar ênfase específica a atualização do cadastro das estruturas de drenagem do município; a um programa de fiscalização dos sistemas de Coleta de Esgoto e Drenagem Urbana para coibir as ligações clandestinas na rede de esgoto;  programa de manutenção contínua do sistema de drenagem; programa de recuperação, revegetação e preservação das áreas ciliares (áreas de preservação permanente - APPs); estabelecer políticas públicas habitacionais para as famílias que ocupam áreas de risco. Por fim, como medida estrutural, a melhoria e ampliação do sistema de drenagem urbana com a execução de obras de novas redes, galerias e contenções.

No saneamento básico, a drenagem urbana sempre ficou em segundo plano. Hoje as palavras de ordem para o gestor público quanto à drenagem urbana devem ser planejar e executar, e não ficar dependendo de ações emergenciais e contingenciais ... ou ficar rezando a cada chuva torrencial!


Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em sustentabilidade. savellax@gmail.com