Elzo Savella
Vivemos tempos de degradação do nosso
planeta: exploração insustentável dos recursos naturais, destruição de
ecossistemas e habitats, emissão de gases de efeito estufa, consumo desenfreado
e concentração das riquezas; e isso gera: desiquilíbrio ecológico, poluição, mudanças
climáticas, pobreza e doenças. Epidemias e pandemias são resultados dessa
degradação ambiental.
É unanimidade entre os pesquisadores
que existe uma relação direta entre degradação da natureza e doenças
infecciosas, e que a ação destrutiva humana contra o meio ambiente gerou a
pandemia da covid-19 que vivemos hoje, causada pelo novo coronavírus. Calcula-se
que 61% dos organismos causadores de doenças são transmitidos a partir de
animais, ou seja, são originadas de zoonoses que, com as intervenções e
desiquilíbrio, são transferidas de animais silvestres para animais domésticos e
para a espécie humana.
O mecanismo é simples: vírus,
bactérias e outros microrganismos existem na natureza tendo como hospedeiros os
animais silvestres, com o desmatamento e a redução dos habitats, com a
consequente redução de populações desses animais, somado ao contato humano, o
ciclo natural se rompe e os agentes infecciosos escapam, transbordam, e, por
força da seleção natural, podem passar por mutações e adaptações e encontram
novo hospedeiro na espécie humana que ainda não tem defesas imunológicas contra
esses agentes, causando epidemias e pandemias.
Na história da humanidade podemos
encontrar registros de muitas epidemias e pandemias. A mais famosa delas, a
peste bubônica ou peste negra, ocorrida no século XIV, teve como agente
infeccioso uma bactéria transmitida pela pulga que se hospedava em ratos, e se
proliferou devido às péssimas condições de saneamento ambiental reinantes nas
cidades medievais. Calcula-se que matou 200 milhões de pessoas. A cólera, que
já matou, e ainda mata, milhões de pessoas, é doença de veiculação hídrica
provocada por bactéria, e é causada também pela falta de saneamento. Mais
recentemente podemos citar a gripe espanhola (1918/1920), causada pelo vírus
influenza, com origem em aves e porcos; a AIDS, com provável origem em
chimpanzés; a febre amarela, com origem em macacos; a gripe aviária (2003/2005),
transmitida por aves; a gripe suína (2009), causada pelo H1N1 e transmitida por
porcos criados em condições precárias de confinamento; o ebola, transmitido por
morcegos e macacos; a SARS e a MERS, também causadas por coronavírus e
transmitidas por morcegos, gatos e camelos. A atual pandemia, a covid-19,
causada pelo novo coronavírus, provavelmente tem como vetores morcegos e
pangolins, animais silvestres comercializados no mercado de animais de Wuhan,
na China, e consumidos como alimentos por humanos.
Os animais devem ser vistos então como
inimigos? Não, não são inimigos. São nossos aliados. Devemos entender a
importância deles dentro dos ecossistemas para o equilíbrio ambiental. O fato de
os agentes infecciosos estarem nesses animais, num ciclo natural, é o que nos dá
a segurança de que não virão para nós. O vírus só vai passar quando interferirmos
diretamente sobre esses animais e em seu ambiente. Um bom exemplo é o caso da
febre amarela: a morte de macacos é indicador de um surto, da presença da
doença naquele ambiente, que teve uma quebra do ciclo normal do vírus. No caso
dos morcegos, quando tem uma interferência em sua população, com redução ou aumento,
o vírus pode “pular” para outra espécie. O melhor é não interferir na natureza,
deixar o sistema acontecer como ele sempre aconteceu. Então, não devemos manter
contato direto com animais silvestres e muito menos usá-los na alimentação ou
mantê-los em cativeiro; e, quanto aos animais domésticos, mantê-los sempre em
boas condições sanitárias.
O futuro, porém, não é muito animador.
Com o aquecimento global, os solos congelados próximos ao Ártico, o permafrost,
estão descongelando. Esse processo está liberando, além de muito gás metano,
muitos vírus, bactérias e outros microrganismos desconhecidos que estão ali
adormecidos por milhares de anos. A nossa Amazônia, em constante processo de
devastação, também é um repositório de organismos ainda desconhecidos que
poderão ser liberados para infectar a espécie humana e animais domésticos, e
não podemos saber como vai ser o ciclo desses microrganismos.
Podemos concluir que, continuando a
atual escalada de destruição de ecossistemas e habitats, somado ao aquecimento
global, as ocorrências de epidemias e pandemias se tornarão cada vez mais
comuns. Devemos, então, aprender com as lições que a atual pandemia pode nos
deixar: precisamos repensar nossos padrões de consumo, nossa relação com a
natureza, nossa vida em sociedade; que precisamos de um mundo mais solidário,
humano e justo, com equilíbrio ambiental, justiça social e um novo modelo
econômico viável, ou seja, o caminho para a sustentabilidade. Se não evoluirmos
para uma nova sociedade, menos egoísta e mais sustentável, não teremos futuro
por aqui.
Elzo
Savella é
professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em ciências
ambientais. savellax@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário