quinta-feira, 2 de abril de 2020

ESTRUTURA AMBIENTAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL: QUAL A IMPORTÂNCIA?



Me. Elzo Savella¹
Profª. Amanda Cecatto Alcantara²

RESUMO
Qual a importância de uma estrutura ambiental na administração pública municipal? Com o objetivo de responder a esta questão e a comprovação da hipótese de que um órgão de gestão ambiental centraliza localmente o planejamento e otimiza os resultados, o estudo se utiliza de pesquisa bibliográfica e documental sobre o tema. A Constituição Federal elevou os municípios à condição de entes autônomos federados e a legislação ambiental atribuiu a eles responsabilidades na área. Autores especializados indicam a necessidade e importância da gestão ambiental pública municipal. No Estado de São Paulo o Governo Estadual implantou em 2008 o Programa Município VerdeAzul, propondo uma agenda ambiental comum aos municípios. Em 10 anos do Programa houve significativo aumento dos órgãos municipais de meio ambiente, dos conselhos ambientais, e planos, programas e projetos em execução na área. A eficiência da gestão ambiental nos municípios paulistas é medida pelo IAA – Índice de Avaliação Ambiental. Nas considerações finais o estudo conclui que o objetivo foi atingido e a hipótese comprovada, ficando demonstrada a importância da implantação de estruturas de gestão ambiental nas administrações públicas municipais.  

Palavras chave: Meio ambiente. Administração pública municipal. Gestão ambiental pública. Desenvolvimento sustentável. Federalismo.

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¹ Mestre em Sustentabilidade na Gestão Ambiental pela UFSCar; Especialista em Gestão Socioambiental pela UNISO; Graduado em Gestão Ambiental pela UMESP; Graduado em História pela UNISO; Pós-graduando em Administração Pública e Gerência de Cidades pela UNINTER. 
² Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário UNINTER. Especialista em Direito Público pela FEMPAR-PR. Graduada em Direito pela UNICURITIBA. Professora Orientadora de TCC no Centro Universitário UNINTER.

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1 INTRODUÇÃO

      A atuação do município na área ambiental se torna mais efetiva após a promulgação da nova Constituição Federal em 1988, quando este passa à condição de ente autônomo dentro do sistema federativo. Em sua competência legislativa sobre atividades relacionadas ao meio ambiente, o município pode legislar no interesse local suplementando a legislação federal e estadual. Já em sua competência administrativa deve proteger o meio ambiente, sendo o ente federado que deve atuar em primeiro lugar, fazendo bem-feito tudo o que estiver ao seu alcance, dentro do princípio do federalismo e da descentralização democrática.

Diante dessas novas responsabilidades colocadas para os municípios pelo novo ordenamento jurídico surge um problema: Qual a importância ou necessidade de se implantar uma estrutura de gestão ambiental na administração pública municipal? A hipótese que podemos formular é a de que um órgão de gestão ambiental na administração pública municipal centraliza localmente o planejamento das políticas públicas na área ambiental, organiza as ações e otimiza os resultados.

Dentro desse contexto, no Estado de São Paulo, o Programa Município Verde Azul, lançado há onze anos pelo Governo do Estado, tem como finalidade a descentralização da política estadual de meio ambiente. Propondo uma agenda ambiental compartilhada entre Estado e municípios, o objetivo é estimular e fortalecer as estruturas ambientais nos municípios.
    
O estudo ora apresentado tem como objetivo demonstrar a importância da implantação de estruturas de gestão ambiental nas administrações públicas municipais através da análise de bibliografia sobre o tema, e com a demonstração dos resultados obtidos junto aos municípios do Estado de São Paulo pelo Programa Município VerdeAzul. Tem, também, como objetivos específicos analisar o aumento do número de municípios do Estado de São Paulo que implantaram estruturas de gestão ambiental pública; e demonstrar a evolução das politicas públicas de meio ambiente nos municípios do Estado de São Paulo.

A pesquisa foi bibliográfica e documental. Bibliográfica, pois buscou fundamentação em literatura especializada e consagrada sobre o tema; documental, pois se valeu de documentos e relatórios sobre os resultados do Programa Município VerdeAzul.

O tema é urgente e relevante, pois muitos municípios do Brasil ainda relutam em assumir a gestão ambiental pública alegando falta de recursos e o atendimento de outras demandas mais urgentes, como as da educação e da saúde, esquecendo que a qualidade ambiental impacta diretamente, de forma transversal, todas as demais áreas da administração pública.


2 GESTÃO AMBIENTAL PÚBLICA

2.1 Fundamentação teórica e metodologia

O referencial teórico desta pesquisa está fundamentado em autores com atuação e estudos na área de gestão ambiental e planejamento municipal. São estudos que procuram demonstrar a importância da intervenção pública na questão ambiental, seja com planejamento, com políticas públicas ou mesmo com uma estrutura completa de gestão ambiental na administração pública.

Como Seiffert (2009, p. 147) demonstra, a preocupação e os esforços no sentido de coibir a deterioração ambiental, principalmente a gerada pela atividade industrial, ganha força a partir da década de 70, por parte das autoridades governamentais buscando um maior controle dos processos poluentes através de normas, sanções e medidas administrativas.

A partir desse contexto, um novo quadro normativo-institucional remete à “necessidade de um aparato administrativo ambiental para atender as exigências legais e as demandas de uma cidadania ativa que passa a compreender que a qualidade de vida é um direito fundamental” (DIAS, 2009, p. 74).

Já Martins Jr. (1996, p. 38) nos diz que é necessária a integração dos aspectos econômicos, sociais e culturais na gestão ambiental da cidade, considerando que os meios físico e biótico não podem ser separados dos demais, pois o homem é parte integrante da natureza. “Dessa forma, a organização administrativa deve atender a esta integração, sem conflitos de atribuições, considerando as várias interfaces existentes” (MARTINS JR., 1996, p. 38).

Menegat e Almeida (2004, p. 184) complementam que “os programas de gestão ambiental municipal são consequências direta da visão de cidade. Se esta é vista de forma fragmentária, os programas de gestão não passam de campanhas setoriais”.

Porém, para Philippi (2012, p. 263) existe a ideia que a falta de recursos públicos para a implementação de políticas públicas é responsável pelos problemas socioambientais, mas que a estrutura ambiental é necessária também para a disponibilidade de informações e indicadores para garantir a transparência, priorização, participação social, efetividade das ações e otimização da gestão ambiental urbana.

Segundo Franco (2001, p. 256) é preciso rever também os conceitos e padrões dos planos diretores e códigos de obras, pois geralmente não contemplam a questão ambiental em sua essência, quando contemplam, geralmente é de forma complementar. Se pretendemos buscar a sustentabilidade ... “urge, portanto, que se faça uma revisão da legislação urbana sob o prisma do Planejamento Ambiental ...” e planejamento ambiental se faz a partir de uma estrutura ambiental mínima nas administrações públicas municipais.

Quanto aos fins, a pesquisa foi de caráter exploratório, descritivo e aplicado. Exploratório, pois buscou alternativas para a solução do problema; descritivo, pois levantou dados e informações sobre o problema; e aplicado por demonstrar a necessidade de ações concretas.

Quanto aos meios, a pesquisa foi bibliográfica e documental. Bibliográfica, pois buscou fundamentação em literatura especializada e consagrada sobre o tema; documental, pois se valeu de documentos e relatórios sobre os resultados do Programa Município VerdeAzul. A fundamentação metodológica da pesquisa está baseada em Severino (2011) e Marconi & Lakatos (2010).

2.2 O contexto atual da Administração Ambiental Pública Municipal

Mesmo antes da Constituição Federal em 1988, quando o município passa à condição de ente autônomo dentro do sistema federativo, a Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente (PNM), já estabelecia responsabilidades aos municípios quanto à qualidade ambiental e equilíbrio ecológico:

Art 5º - As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e planos, destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos no art. 2º desta Lei. (BRASIL, 1981)

É oportuno ressaltar que o Brasil é um dos raros casos no mundo onde os municípios possuem status de ente federado, e para os quais a Constituição Federal (CF) resguarda ampla autonomia política, administrativa e financeira, o que deflagrou um processo de descentralização de recursos e atribuições após 88 (ABRUCIO; FRANZESE, 2007, p. 73).

Já a Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade, apesar de não tratar diretamente de normas de cunho ambiental, não impondo obrigações específicas para a proteção ambiental, traz diretrizes que refletem diretamente na responsabilidade dos municípios com a qualidade do ambiente urbano, através do uso do solo e do macrozoneamento ambiental, estabelecendo uma interface com a legislação ambiental municipal, o planejamento e o zoneamento urbano, como podemos aferir nos seus artigos 2º e 4º:
Art. 2º - A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
(...)
IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
Art. 4º - Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
(...)
III - planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
(...) (BRASIL, 2001)

Segundo Carvalho e Braga (2001, p. 114), um dos principais instrumentos previstos no Estatuto da Cidade é o zoneamento ambiental como instrumento de planejamento municipal, pois o único zoneamento praticado referia-se somente ao zoneamento de uso e ocupação do solo para a definição das áreas adequadas aos usos residencial, industrial e comercial na cidade. Com esse novo instrumento, a possibilidade de um zoneamento urbano com fins explicitamente ambientais representa um avanço na medida em que se estabelecem zonas especiais visando a preservação, melhoria e recuperação ambiental, incluindo áreas verdes urbanas. Já quanto à gestão ambiental urbana, o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) é outra grande contribuição do Estatuto da Cidade. Ainda segundo Carvalho e Braga (2001, p.117), “é um instrumento que visa atenuar os conflitos de uso e ocupação do solo, criando uma nova possibilidade de intermediação entre os interesses dos empreendedores urbanos e a população, resguardando padrões mínimos de qualidade de vida”.

Com essa nova legislação, a gestão ambiental tem ganhado peso nas administrações públicas municipais nas últimas décadas, principalmente pela Lei 6.938. Conforme Carvalho et alli (2005, p. 2), a partir dessa lei é que fica explícito “... que os municípios poderão elaborar normas ambientais, desde que não entrem em conflito com as de âmbito federal e estadual, e poderão exercer, na sua jurisdição, controle e fiscalização das atividades capazes de provocar a degradação ambiental.”

A partir disso, como afirma De Carlo (2006, p. 67), “a descentralização tem se tornado uma importante estratégia operacional e de concepção de política pública, associando no seu processo de planejamento não apenas o governo, como também representantes da sociedade local”. Com essa descentralização administrativa e maior proximidade com as comunidades locais, estas podem ter maior consciência a respeito da importância da preservação ambiental e dos recursos naturais para a qualidade de vida. E, como afirmam Ávila e Malheiros:

A municipalização da questão ambiental é aponta­da como um passo evolutivo importante na gestão ambiental descentralizada e na institucionalização da participação popular, aspectos consagrados em 1988 pela Constituição Federal, mas previstos desde 1981, com a instituição da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Ordinária 6.938) (Brasil, 1981). Em nível local, a autoridade e o poder de decisão estão próximos da população, e conhecem melhor seus interesses e problemas cotidianos, facilitando uma maior participação da sociedade no equacionamento e solução dos problemas ambientais (ÁVILA e MALHEIROS, 2012, p. 34).

A partir desses marcos legais e das suas induções à descentralização na Administração Pública, podemos afirmar que isso vem de encontro às necessidades dos tempos atuais de uma gestão mais moderna visando a sustentabilidade, considerando suas variáveis econômica, social, ambiental e, no caso das cidades, a urbana.

Nos dias atuais se desenvolve o conceito de cidades inteligentes, mas segundo Bouskela et alli (2016, p. 16), para ser considerada inteligente a cidade deve incorporar melhoria da governança, do planejamento, da infraestrutura e de como isso se reflete no social.  “No entanto, pensar em Cidades Inteligentes sem levar em conta o aspecto urbano, social e ambiental dos centros urbanos leva à perda do fim último do desenvolvimento das cidades: melhorar a qualidade de vida das pessoas” (Bouskela et alli, 2016 p. 16). Portanto, uma estrutura administrativa integrada, o uso da tecnologia da informação, o planejamento urbano e ambiental, e participação social, podem dar melhor utilização dos recursos e promover o desenvolvimento sustentável.

Nas gestões atuais, onde a tendência deve ser cada vez mais a busca pelo desenvolvimento sustentável, se exige bom planejamento, visão de futuro, e governança sobre as transformações econômicas, sociais e ambientais locais. Com uma complexidade cada vez maior, surge a necessidade de modernização, melhor organização e participação social. “O Relatório Mundial sobre o Setor Público da ONU, elaborado em 2005, mostra que houve evolução da visão convencional de “Administração Pública”, antes tradicionalmente centralizada, para uma visão mais democrática, com participação direta dos atores interessados” (PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2016, p. 35).

Como podemos observar, o papel dos governos municipais, que anteriormente era meramente de prestação de serviços à população, vem evoluindo para o de agentes do desen­volvimento local. “Neste contexto, eles devem assu­mir o seu papel constitucional de zelar pelo meio ambiente, tomando a decisão de envolver-se com o tema e capacitando-se através da instituição de um Sistema Municipal de Meio Ambiente – SISMUMA” (ÁVILA e MALHEIROS, 2012, p. 33).

Analisando-se a literatura a respeito, considera-se que a composição mínima do SISMUNA, enquanto estrutura político-administrativa, seja formada por um Órgão Municipal de Meio Ambiente (OMMA), órgão executor que pode ser uma secretaria ou um departamento, cuja estruturação vai promover a eficiência do processo de gestão ambiental local e coordenar, preferencialmente de forma integrada e transversal, a gestão das políticas públicas de meio ambiente; por um Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMA) onde os atores sociais estejam representados para garantir a legitimidade do diálogo entre sociedade civil e Poder Público; e pelo Fundo Municipal de Meio Ambiente (FMMA) que vai “carimbar” para a área ambiental os recursos financeiros. E, a partir dessa estrutura, desenvolver uma Política Municipal de Meio Ambiente (PMMA) que, “comprometida com os princípios da susten­tabilidade, potencializa a defesa e a preservação do meio ambiente local, impulsionando um desenvolvi­mento com preservação ambiental, inclusão social e crescimento econômico” (ÁVILA e MALHEIROS, 2012, p. 46).

Porém, um impasse que se revela quando se analisa os orçamentos e quadros técnicos na maioria dos municípios brasileiros, como salienta De Carlo (2006, p. 269), diz respeito a constatação de que esses municípios não dispõem de recursos humanos especializados para o desempenho de serviços de planejamento, controle e execução de ações ambientais. “Essa limitada capacidade técnica da maioria das prefeituras é agravada pelas constantes alterações nos quadros dos funcionários municipais em função das mudanças de governo, e pela consequente falta de estabilidade e prosseguimento de suas funções” (DE CARLO, 2006, p. 269). Podemos acrescentar a isso o fator financeiro, pois na maioria dos municípios que, apesar de ter alguma estrutura ambiental na administração, o orçamento da área ambiental é sempre o menor dentro de orçamento do município, sendo o suficiente, na maioria das vezes, apenas para cobrir a folha de pagamento dos funcionários.

Apesar de todas as dificuldades e limitações nos municípios para lidar com a gestão ambiental, Leme (2010, p. 50) nos mostra que em 2010, ainda assim, dos 5.570 municípios do Brasil, ao menos em parte muitos avançaram nessa área, sendo que mais de 4.300 municípios contam com algum tipo de órgão de meio ambiente, mesmo não sendo de 1º ou 2º escalão, mais de 1.800 conselhos ativos, e mais de 2.000 municípios com recursos específicos para a área ambiental. “Todos esses indicadores apontam para avanços na gestão ambiental municipal, porém, ainda há muito que ser feito, tanto no que diz respeito ao fortalecimento das capacidades locais, quanto ao diálogo interfederativo, que ainda é precário” (LEME, 2010, p. 50).

No Estado de São Paulo, diante da constatação das dificuldades dos municípios em avançar na gestão ambiental, seja por falta de quadros ou de recursos orçamentários, o Governo do Estado lançou no ano de 2008 o Programa Estratégico Município Verde, mais tarde rebatizado de Município VerdeAzul, que é o que veremos adiante.

2.3 O Programa Município VerdeAzul (PMVA)

O Programa Município VerdeAzul (PMVA), instituído em 2008 pela então Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA), atualmente Secretaria de Estado de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA), incentiva a elaboração e a execução de Políticas Públicas Municipais de Meio Ambiente voltadas para o desenvolvimento sustentável, por meio de parcerias entre o Estado e as prefeituras. Conforme a resolução SMA nº 009 de 2008, o objetivo do PMVA é descentralizar a política ambiental no Estado de SP, ganhando eficiência na gestão ambiental e valorizando a base da sociedade (SÃO PAULO, 2008, p. 1).

Segundo Pimentel (2013, p. 74-75), os coordenadores do PMVA relataram que o programa foi concebido a partir de discussões desenvolvidas entre técnicos da SMA e da CETESB (Agência Ambiental Paulista), buscando viabilizar os compromissos do Governo do Estado de São Paulo com o desenvolvimento sustentável. Como a Constituição Federal preconiza que a defesa e preservação do meio ambiente é competência comum às três esferas administrativas, foi consenso entre os técnicos de que havia respaldo jurídico para a instituição de uma agenda ambiental comum entre o Estado de São Paulo e os municípios paulistas.

O Programa vem de encontro às necessidades dos governos municipais quanto à formulação e execução de políticas públicas de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável. Ainda segundo Pimentel (2013, p.24), quanto às necessidades dos municípios “é preciso dotá-los dos recursos e instrumentos necessários para lidar com os inúmeros problemas ambientais existentes e cujos efeitos impactam a qualidade de vida das suas comunidades". E continua:

Mas esta premissa não pressupõe o protagonismo exclusivo dos municípios: ainda que a vantagem da proximidade entre o local onde os problemas ocorrem e a instância de poder competente para enfrentá-los possa ser considerada válida, a sua condicionante é justamente a capacidade administrativa de levar a cabo as soluções disponíveis, expressos pelos programas e projetos inerentes aos esforços de mitigação destes mesmos problemas. Para que isso possa ocorrer, é necessário que os estados passem a exercer um papel até então desempenhado de forma muito rudimentar: o de articuladores de esforços e fornecedores de recursos, prestando apoio técnico e financeiro aos municípios e estimulando a cooperação intermunicipal (PIMENTEL, 2013, p. 24).

Conforme consta na Resolução SMA 008 (SÃO PAULO, 2008, p. 4-6), o Programa Município VerdeAzul está estruturado em 10 Diretivas abrangendo temas estratégicos do espectro ambiental, norteadoras da agenda ambiental municipal, que são: Município Sustentável (MS), onde são avaliadas as ações voltadas diretamente ao desenvolvimento sustentável local; Estrutura e Educação Ambiental (EEA), que inclui a comprovação da existência de órgão executor das políticas públicas de meio ambiente, como secretaria ou departamento, e profissionais da área, e programa de educação ambiental com a execução de suas ações de acordo com cronograma pré-existente; Conselho Ambiental (CA), a existência de conselho paritário e deliberativo que esteja ativo e com reuniões mensais, mais o Fundo Municipal de Meio Ambiente com recursos; Biodiversidade (BIO), programas e ações de proteção à fauna silvestre e animais domésticos; Gestão das Águas (GA), programas  e ações de proteção aos mananciais, matas ciliares e uso racional da água; Qualidade do Ar (QA), programas e ações de controle da emissão de gases poluentes e a substituição de combustíveis fósseis; Uso do Solo (US), programas e ações de recuperação de áreas degradas, boas práticas agrícolas e drenagem nas estradas rurais; Arborização Urbana (AU), a existência de programa de arborização e execução de ações de arborização viária prevista no cronograma do programa; Esgoto Tratado (ET), Plano Municipal de Saneamento Básico e execução de seu cronograma, e o ICTEM, que é o índice de coleta e tratabilidade  do esgoto no município; e Resíduos Sólidos (RS), com Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos e execução de seu cronograma, assim como a avaliação da qualidade do aterro sanitário onde são destinados os resíduos que é o IQR, índice de qualidade dos aterros de resíduos, e coleta seletiva.

Segundo consta no Relatório Gerencial do PMVA (SÃO PAULO, 2019, p. 4), o principal objetivo do Programa é incentivar os municípios paulistas a instituir e manter estruturas administrativas e conselhos municipais de meio ambiente, e estimular o poder público local a incorporar o planejamento ambiental em suas ações; e ainda tem como objetivos específicos: descentralizar a política ambiental no Estado de São Paulo, por meio do suporte à eficiência da gestão municipal na área do meio ambiente; constituir base de dados para o Sistema Ambiental Paulista; e desenvolver mecanismos que permitam a fixação das ações em escala local propostas pelo PMVA em todos os municípios do Estado de São Paulo.

Ainda conforme o mesmo relatório (SÃO PAULO, 2019, p. 12), a primeira etapa necessária para a participação dos municípios no PMVA é a assinatura, pelo prefeito municipal, do Termo de Adesão, que é um documento em que o Município formaliza o compromisso voluntário de inserir, no planejamento e na gestão ambiental de seu território, as dez diretivas ambientais propostas pelo Programa. Com a adesão confirmada, o prefeito indica um interlocutor e um suplente que representarão o Município junto ao Programa.

A partir da adesão, os municípios passam a seguir uma “bula” que contém todas as ações previstas em cada Diretiva para o ciclo vigente. Os ciclos são de períodos de 12 meses, se iniciando sempre no mês de outubro e finalizando no mês de setembro do ano seguinte. A partir da ‘‘bula”, o município elabora sua agenda ambiental dentro de seu planejamento, passando a desenvolver as ações previstas mais as chamadas pró-atividades, que são ações propostas pelo próprio município dentro de cada Diretiva.

Todas as ações realizadas são documentadas através de fotos, listas de presença, registros e outros documentos comprobatórios e, somadas aos planos e programas exigidos pelo Programa passam a compor RGA – Relatório Geral Ambiental, que após validação pelo conselho de meio ambiente do município, são enviados à coordenação do Programa via sistema eletrônico. Esses relatórios são enviados em dois momentos: ao final de seis meses do Ciclo, na etapa chamada Qualificação, e no final do Ciclo, já para avaliação objetivando a certificação.

Conforme descreve Pimentel (2013, p. 33), depois de avaliadas pelos técnicos da SMA, as ações recebem pontos a partir de critérios objetivos, compondo uma nota final, que é o Índice de Avaliação Ambiental (IAA), que busca medir o grau de comprometimento da gestão municipal com a agenda ambiental paulista. A partir da pontuação do IAA o município é classificado dentro do Ranking Ambiental Paulista, que é divulgado ao fim de cada Ciclo. Os municípios que alcançam nota igual ou superior a 80 recebem o certificado Município VerdeAzul, além de supostamente obterem prioridade no repasse dos recursos provenientes do Fundo Estadual de Prevenção e Controle da Poluição (FECOP). Complementando e reafirmando o acesso aos recursos: “Além da visibilidade para suas boas práticas socioambientais e a tendência a uma melhora na qualidade de vida local, o município certificado possui prioridade no acesso a recursos públicos do Governo do Estado” (GIRÃO, 2012, p. 34).

Assim, como salienta Pimentel (2012, p. 78), o programa utiliza a certificação ambiental como estratégia de mobilização dos municípios para o comprometimento com a agenda ambiental proposta e acena com a priorização no acesso a recursos financeiros. Desta forma, afirma Girão (2012, p. 35), “o PMVA se caracteriza como um sistema de indicadores de avaliação da gestão ambiental dos municípios de todo o Estado de São Paulo, e que é sintetizado no Índice de Avaliação Ambiental”.

Desde a primeira edição do PMVA em 2008 até 2018, segundo São Paulo (2019, p. 51), o Programa já certificou, nas 11 edições do período, um total de 309 municípios dos 645 existentes no Estado de São Paulo. As notas em 2008 tiveram como pontuação máxima 94,96, com 44 municípios certificados; já em 2018, pontuação máxima de 96, com 76 municípios certificados. Segundo avaliação do Relatório Gerencial do PMVA de 2019 (SÃO PAULO, p. 7), ano a ano, as ações solicitadas evoluíram em qualidade, quantidade e complexidade, ficando progressivamente mais elaboradas e planejadas, se transformando em políticas, programas e projetos continuados e não apenas em ações, como era solicitado em 2008.

Analisando os resultados apresentados no Relatório Gerencial do PMVA de 2019 (SÃO PAULO, p. 55-76) podemos ressaltar um dado importante para a nossa pesquisa: em 2007, 189 (29,30%) municípios dispunham de estrutura de meio ambiente, já em 2018, após 11 anos do Programa, esse total era de 521 (81%) de um total de 645 municípios no Estado de São Paulo. O que comprova que, ao longo desse período, o PMVA cumpriu seu papel de indução para que os municípios paulistas instituíssem estruturas ambientais de meio ambiente. Isso “... possibilitou que os Municípios usufruíssem do conhecimento técnico do Sistema Ambiental Paulista, desenvolvendo a partir daí metodologias de ação que permitiram e agilizaram a adesão a programas, projetos e ações do Estado” (SÃO PAULO, p. 76).

Prosseguindo com as análises dos dados do Relatório (SÃO PAULO, p. 55-76), podemos, ainda, destacar as seguintes informações: em 2008, 255 (39,53%) municípios possuíam conselho municipal de meio ambiente, já em 2018 esse número era de 582 (90,23%); em 2018, 409 (63%) dos municípios possuíam centro ou espaço para a prática da Educação Ambiental e 390 (60,46%) instituíram programas de Educação Ambiental através de instrumentos legais normativos; em 2012, 132 (20,46) municípios possuíam o Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos (PGIRS), já em 2018, 536 (83,1%) dos municípios informaram que possuem o PGIRS instituído por norma legal; já quanto ao Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), 533 (82,63%) informaram possuir o Plano instituído por lei em 2018; em 2018, 102 dos 378 municípios pertencentes ao bioma Mata Atlântica possuíam Planos Municipais de Mata Atlântica, enquanto 35 dos 92 pertencentes ao bioma Cerrado possuíam Plano Municipal de Cerrado, e 32 dos 175 municípios que pertencem aos dois biomas afirmaram possuir Plano de Mata Atlântica e/ou de Cerrado; no que se refere à gestão das águas, 416 municípios desenvolviam em 2018 ações de proteção das matas ciliares e recuperação de nascentes e 254 possuíam uma nascente modelo preservada para a educação ambiental; outros dados que também merecem destaque dizem respeito à arborização, sendo que 207 municípios possuíam em 2018 seus planos de arborização viária urbana normatizados por lei e em execução, assim como, também 437 municípios possuíam viveiros municipais de mudas.

Esses dados são fundamentais para a comprovação dos avanços da gestão ambiental nos municípios do Estado de São Paulo. Sejam as estruturas ambientais, os conselhos de meio ambiente, planos, programas e projetos, pois, como possuem atividades e cronogramas em execução, que são comprovadas documentalmente através de relatórios, avaliados pelo Índice de Avaliação Ambiental (IAA) e classificados no Ranking Ambiental Paulista, comprovam a eficácia do Programa Município VerdeAzul.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo aqui relatado partiu da análise de ampla literatura de autores e pesquisadores com atuação e estudos na área de gestão ambiental e planejamento municipal, que procuram demonstrar a importância da intervenção dos municípios na questão ambiental, seja com planejamento, com políticas públicas ou mesmo com uma estrutura completa de gestão ambiental na administração pública. Também foi analisada a legislação federal que determina a descentralização na administração pública entre os três níveis de governo da Federação, dividindo responsabilidades entre os entes federados, e, em especial, estabelecendo responsabilidades aos municípios quanto à qualidade ambiental e equilíbrio ecológico.

Outra etapa do estudo diz respeito a uma experiência exitosa no Estado de São Paulo, o Programa Município VerdeAzul, em que o Estado compartilha com os municípios uma agenda ambiental comum.  Através da análise dos resultados comprovados do Programa fica evidente o sucesso da descentralização da agenda ambiental no Estado. Esses resultados demonstram e comprovam os avanços da gestão ambiental nos municípios do Estado de São Paulo. O crescimento do número de administrações com estruturas ambientais, dos conselhos municipais de meio ambiente com participação social, o aumento significativo de planos, programas e projetos ambientais em execução no período estudado (2008-2018), por si só já demonstram a importância da gestão ambiental pública municipal. E, como todos esses aparatos possuem atividades e cronogramas em execução, que são comprovados documentalmente através de relatórios, e avaliados pelo Índice de Avaliação Ambiental (IAA), já indicam o avanço das políticas públicas de meio ambiente nos municípios paulistas.

A partir da análise e exposição da literatura em referência e dos resultados apresentados pelos municípios do Estado de São Paulo, podemos considerar que esses dados corroboram com o objetivo do estudo, que foi o de demonstrar a importância da implantação de estruturas de gestão ambiental nas administrações públicas municipais. Também os objetivos específicos foram atendidos ao se analisar o aumento do número de municípios do Estado de São Paulo que implantaram estruturas de gestão ambiental pública; e demonstrada a evolução das políticas públicas de meio ambiente nos municípios do Estado de São Paulo. Assim como comprovada a hipótese formulada de que um órgão de gestão ambiental na administração pública municipal centraliza no âmbito da administração local o planejamento das políticas públicas na área ambiental, organiza as ações e otimiza os resultados.

O presente estudo, porém, limitou-se à análise de resultados do crescimento de estruturas de gestão ambiental e de expansão de políticas públicas nos municípios, ficando aqui indicado e recomendado como necessário a uma maior compreensão da questão e aprimoramento do tema, um novo estudo, agora analisando os resultados efetivos que esse aparato ambiental traz para a qualidade ambiental, para o desenvolvimento sustentável e para a qualidade de vida dos habitantes desses municípios.

Enfim, podemos concluir que a municipalização da questão ambiental é seguramente um passo evolutivo importante na gestão ambiental descentralizada no âmbito federativo e na institucionalização da participação social, pois é na esfera local que o diálogo entre os atores envolvidos, gestores e população, pode reconhecer e formular respostas aos graves problemas ambientais de nossas cidades.


REFERÊNCIAS

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