Me. Elzo Savella¹
Profª. Amanda Cecatto Alcantara²
RESUMO
Qual a
importância de uma estrutura ambiental na administração pública municipal? Com
o objetivo de responder a esta questão e a comprovação da hipótese de que um
órgão de gestão ambiental centraliza localmente o planejamento e otimiza os
resultados, o estudo se utiliza de pesquisa bibliográfica e documental sobre o tema.
A Constituição Federal elevou os municípios à condição de entes autônomos
federados e a legislação ambiental atribuiu a eles responsabilidades na área.
Autores especializados indicam a necessidade e importância da gestão ambiental
pública municipal. No Estado de São Paulo o Governo Estadual implantou em 2008
o Programa Município VerdeAzul, propondo uma agenda ambiental comum aos
municípios. Em 10 anos do Programa houve significativo aumento dos órgãos
municipais de meio ambiente, dos conselhos ambientais, e planos, programas e
projetos em execução na área. A eficiência da gestão ambiental nos municípios
paulistas é medida pelo IAA – Índice de Avaliação Ambiental. Nas considerações
finais o estudo conclui que o objetivo foi atingido e a hipótese comprovada,
ficando demonstrada a importância da implantação de estruturas de gestão
ambiental nas administrações públicas municipais.
Palavras
chave: Meio
ambiente. Administração pública municipal. Gestão ambiental pública. Desenvolvimento
sustentável. Federalismo.
1
INTRODUÇÃO
Diante
dessas novas responsabilidades colocadas para os municípios pelo novo ordenamento
jurídico surge um problema: Qual a importância ou necessidade de se implantar
uma estrutura de gestão ambiental na administração pública municipal? A
hipótese que podemos formular é a de que um órgão de gestão ambiental na
administração pública municipal centraliza localmente o planejamento das
políticas públicas na área ambiental, organiza as ações e otimiza os
resultados.
Dentro
desse contexto, no Estado de São Paulo, o Programa Município Verde Azul,
lançado há onze anos pelo Governo do Estado, tem como finalidade a
descentralização da política estadual de meio ambiente. Propondo uma agenda
ambiental compartilhada entre Estado e municípios, o objetivo é estimular e
fortalecer as estruturas ambientais nos municípios.
O
estudo ora apresentado tem como objetivo demonstrar a importância da
implantação de estruturas de gestão ambiental nas administrações públicas
municipais através da análise de bibliografia sobre o tema, e com a
demonstração dos resultados obtidos junto aos municípios do Estado de São Paulo
pelo Programa Município VerdeAzul. Tem, também, como objetivos específicos analisar
o aumento do número de municípios do Estado de São Paulo que implantaram
estruturas de gestão ambiental pública; e demonstrar a evolução das politicas
públicas de meio ambiente nos municípios do Estado de São Paulo.
A pesquisa foi bibliográfica e documental.
Bibliográfica, pois buscou fundamentação em literatura especializada e
consagrada sobre o tema; documental, pois se valeu de documentos e relatórios
sobre os resultados do Programa Município VerdeAzul.
O
tema é urgente e relevante, pois muitos municípios do Brasil ainda relutam em
assumir a gestão ambiental pública alegando falta de recursos e o atendimento
de outras demandas mais urgentes, como as da educação e da saúde, esquecendo
que a qualidade ambiental impacta diretamente, de forma transversal, todas as
demais áreas da administração pública.
2
GESTÃO AMBIENTAL PÚBLICA
2.1
Fundamentação teórica e metodologia
O
referencial teórico desta pesquisa está fundamentado em autores com atuação e
estudos na área de gestão ambiental e planejamento municipal. São estudos que
procuram demonstrar a importância da intervenção pública na questão ambiental,
seja com planejamento, com políticas públicas ou mesmo com uma estrutura
completa de gestão ambiental na administração pública.
Como
Seiffert (2009, p. 147) demonstra, a preocupação e os esforços no sentido de
coibir a deterioração ambiental, principalmente a gerada pela atividade
industrial, ganha força a partir da década de 70, por parte das autoridades
governamentais buscando um maior controle dos processos poluentes através de
normas, sanções e medidas administrativas.
A
partir desse contexto, um novo quadro normativo-institucional remete à “necessidade
de um aparato administrativo ambiental para atender as exigências legais e as
demandas de uma cidadania ativa que passa a compreender que a qualidade de vida
é um direito fundamental” (DIAS, 2009, p. 74).
Já
Martins Jr. (1996, p. 38) nos diz que é necessária a integração dos aspectos
econômicos, sociais e culturais na gestão ambiental da cidade, considerando que
os meios físico e biótico não podem ser separados dos demais, pois o homem é
parte integrante da natureza. “Dessa forma, a organização administrativa deve
atender a esta integração, sem conflitos de atribuições, considerando as várias
interfaces existentes” (MARTINS JR., 1996, p. 38).
Menegat
e Almeida (2004, p. 184) complementam que “os programas de gestão ambiental
municipal são consequências direta da visão de cidade. Se esta é vista de forma
fragmentária, os programas de gestão não passam de campanhas setoriais”.
Porém,
para Philippi (2012, p. 263) existe a ideia que a falta de recursos públicos
para a implementação de políticas públicas é responsável pelos problemas
socioambientais, mas que a estrutura ambiental é necessária também para a
disponibilidade de informações e indicadores para garantir a transparência,
priorização, participação social, efetividade das ações e otimização da gestão
ambiental urbana.
Segundo
Franco (2001, p. 256) é preciso rever também os conceitos e padrões dos planos
diretores e códigos de obras, pois geralmente não contemplam a questão
ambiental em sua essência, quando contemplam, geralmente é de forma
complementar. Se pretendemos buscar a sustentabilidade ... “urge, portanto, que
se faça uma revisão da legislação urbana sob o prisma do Planejamento Ambiental
...” e planejamento ambiental se faz a partir de uma estrutura ambiental mínima
nas administrações públicas municipais.
Quanto aos fins, a
pesquisa foi de caráter exploratório, descritivo e aplicado. Exploratório, pois
buscou alternativas para a solução do problema; descritivo, pois levantou dados
e informações sobre o problema; e aplicado por demonstrar a necessidade de ações
concretas.
Quanto aos meios, a pesquisa foi bibliográfica e
documental. Bibliográfica, pois buscou fundamentação em literatura
especializada e consagrada sobre o tema; documental, pois se valeu de
documentos e relatórios sobre os resultados do Programa Município VerdeAzul. A
fundamentação metodológica da pesquisa está baseada em Severino (2011) e Marconi & Lakatos
(2010).
2.2
O contexto atual da Administração Ambiental Pública Municipal
Mesmo
antes da Constituição Federal em 1988, quando o município passa à condição de
ente autônomo dentro do sistema federativo, a Lei 6.938 de 31 de agosto de
1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente (PNM), já
estabelecia responsabilidades aos municípios quanto à qualidade ambiental e
equilíbrio ecológico:
Art 5º - As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão
formuladas em normas e planos, destinados a orientar a ação dos Governos da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios no
que se relaciona com a preservação da qualidade ambiental e manutenção do
equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos no art. 2º desta
Lei. (BRASIL, 1981)
É
oportuno ressaltar que o Brasil é um dos raros casos no mundo onde os
municípios possuem status de ente federado, e para os quais a Constituição
Federal (CF) resguarda ampla autonomia política, administrativa e financeira, o
que deflagrou um processo de descentralização de recursos e atribuições após 88
(ABRUCIO; FRANZESE, 2007, p. 73).
Já
a Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade, apesar
de não tratar diretamente de normas de cunho ambiental, não impondo obrigações
específicas para a proteção ambiental, traz diretrizes que refletem diretamente
na responsabilidade dos municípios com a qualidade do ambiente urbano, através
do uso do solo e do macrozoneamento ambiental, estabelecendo uma interface com
a legislação ambiental municipal, o planejamento e o zoneamento urbano, como
podemos aferir nos seus artigos 2º e 4º:
Art. 2º - A política urbana tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I - garantia do direito a cidades
sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
(...)
IV - planejamento do desenvolvimento das
cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do
Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e
corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o
meio ambiente;
Art.
4º -
Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
(...)
III - planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da
ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
(...)
(BRASIL, 2001)
Segundo Carvalho e
Braga (2001, p. 114), um dos principais instrumentos previstos no Estatuto da
Cidade é o zoneamento ambiental como instrumento de planejamento municipal,
pois o único zoneamento praticado referia-se somente ao zoneamento de uso e
ocupação do solo para a definição das áreas adequadas aos usos residencial,
industrial e comercial na cidade. Com esse novo instrumento, a possibilidade de
um zoneamento urbano com fins explicitamente ambientais representa um avanço na
medida em que se estabelecem zonas especiais visando a preservação, melhoria e
recuperação ambiental, incluindo áreas verdes urbanas. Já quanto à gestão
ambiental urbana, o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) é outra grande
contribuição do Estatuto da Cidade. Ainda segundo Carvalho e Braga (2001,
p.117), “é um instrumento que visa atenuar os conflitos de uso e ocupação do
solo, criando uma nova possibilidade de intermediação entre os interesses dos
empreendedores urbanos e a população, resguardando padrões mínimos de qualidade
de vida”.
Com essa nova legislação,
a gestão ambiental tem ganhado peso nas administrações públicas municipais nas
últimas décadas, principalmente pela Lei 6.938. Conforme Carvalho et alli
(2005, p. 2), a partir dessa lei é que fica explícito “... que os municípios
poderão elaborar normas ambientais, desde que não entrem em conflito com as de
âmbito federal e estadual, e poderão exercer, na sua jurisdição, controle e
fiscalização das atividades capazes de provocar a degradação ambiental.”
A
partir disso, como afirma De Carlo (2006, p. 67), “a descentralização tem se
tornado uma importante estratégia operacional e de concepção de política
pública, associando no seu processo de planejamento não apenas o governo, como
também representantes da sociedade local”. Com essa descentralização administrativa
e maior proximidade com as comunidades locais, estas podem ter maior
consciência a respeito da importância da preservação ambiental e dos recursos
naturais para a qualidade de vida. E, como afirmam Ávila e Malheiros:
A municipalização da questão ambiental é apontada como um passo
evolutivo importante na gestão ambiental descentralizada e na
institucionalização da participação popular, aspectos consagrados em 1988 pela
Constituição Federal, mas previstos desde 1981, com a instituição da Política Nacional
de Meio Ambiente (Lei Ordinária 6.938) (Brasil, 1981). Em nível local, a
autoridade e o poder de decisão estão próximos da população, e conhecem melhor
seus interesses e problemas cotidianos, facilitando uma maior participação da
sociedade no equacionamento e solução dos problemas ambientais (ÁVILA e
MALHEIROS, 2012, p. 34).
A partir desses
marcos legais e das suas induções à descentralização na Administração Pública,
podemos afirmar que isso vem de encontro às necessidades dos tempos atuais de
uma gestão mais moderna visando a sustentabilidade, considerando suas variáveis
econômica, social, ambiental e, no caso das cidades, a urbana.
Nos dias atuais se
desenvolve o conceito de cidades inteligentes, mas segundo Bouskela et alli
(2016, p. 16), para ser considerada inteligente a cidade deve incorporar
melhoria da governança, do planejamento, da infraestrutura e de como isso se
reflete no social. “No entanto, pensar
em Cidades Inteligentes sem levar em conta o aspecto urbano, social e ambiental
dos centros urbanos leva à perda do fim último do desenvolvimento das cidades:
melhorar a qualidade de vida das pessoas” (Bouskela et alli, 2016 p. 16).
Portanto, uma estrutura administrativa integrada, o uso da tecnologia da
informação, o planejamento urbano e ambiental, e participação social, podem dar
melhor utilização dos recursos e promover o desenvolvimento sustentável.
Nas gestões atuais,
onde a tendência deve ser cada vez mais a busca pelo desenvolvimento
sustentável, se exige bom planejamento, visão de futuro, e governança sobre as
transformações econômicas, sociais e ambientais locais. Com uma complexidade
cada vez maior, surge a necessidade de modernização, melhor organização e
participação social. “O Relatório Mundial sobre o Setor Público da ONU, elaborado
em 2005, mostra que houve evolução da visão convencional de “Administração
Pública”, antes tradicionalmente centralizada, para uma visão mais democrática,
com participação direta dos atores interessados” (PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2016, p. 35).
Como
podemos observar, o papel dos governos municipais, que anteriormente era
meramente de prestação de serviços à população, vem evoluindo para o de agentes
do desenvolvimento local. “Neste contexto, eles devem assumir o seu papel
constitucional de zelar pelo meio ambiente, tomando a decisão de envolver-se
com o tema e capacitando-se através da instituição de um Sistema Municipal de
Meio Ambiente – SISMUMA” (ÁVILA e MALHEIROS, 2012, p. 33).
Analisando-se a literatura a respeito, considera-se que a composição
mínima do SISMUNA, enquanto estrutura político-administrativa, seja formada por
um
Órgão Municipal de Meio Ambiente (OMMA), órgão
executor que pode ser uma secretaria ou um departamento, cuja estruturação vai
promover a eficiência do processo de gestão ambiental local e coordenar,
preferencialmente de forma integrada e transversal, a gestão das políticas
públicas de meio ambiente; por um Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente
(COMDEMA) onde os atores sociais estejam representados para garantir a
legitimidade do diálogo entre sociedade civil e Poder Público; e pelo Fundo Municipal
de Meio Ambiente (FMMA) que vai “carimbar” para a área ambiental os recursos
financeiros. E, a partir dessa estrutura, desenvolver uma Política Municipal de
Meio Ambiente (PMMA) que, “comprometida com os princípios da sustentabilidade,
potencializa a defesa e a preservação do meio ambiente local, impulsionando um
desenvolvimento com preservação ambiental, inclusão social e crescimento econômico”
(ÁVILA e MALHEIROS, 2012, p. 46).
Porém, um impasse que se revela quando se analisa os orçamentos e
quadros técnicos na maioria dos municípios brasileiros, como salienta De Carlo
(2006, p. 269), diz respeito a constatação de que esses municípios não dispõem
de recursos humanos especializados para o desempenho de serviços de
planejamento, controle e execução de ações ambientais. “Essa limitada
capacidade técnica da maioria das prefeituras é agravada pelas constantes
alterações nos quadros dos funcionários municipais em função das mudanças de
governo, e pela consequente falta de estabilidade e prosseguimento de suas
funções” (DE CARLO, 2006, p. 269).
Podemos acrescentar a isso o fator financeiro, pois na maioria dos municípios
que, apesar de ter alguma estrutura ambiental na administração, o orçamento da
área ambiental é sempre o menor dentro de orçamento do município, sendo o
suficiente, na maioria das vezes, apenas para cobrir a folha de pagamento dos
funcionários.
Apesar de todas as dificuldades e limitações nos municípios para
lidar com a gestão ambiental, Leme (2010, p. 50) nos mostra que em 2010, ainda
assim, dos 5.570 municípios do Brasil, ao menos em parte muitos avançaram nessa
área, sendo que mais de 4.300 municípios contam com algum tipo de órgão de meio
ambiente, mesmo não sendo de 1º ou 2º escalão, mais de 1.800 conselhos ativos, e
mais de 2.000 municípios com recursos específicos para a área ambiental. “Todos
esses indicadores apontam para avanços na gestão ambiental municipal, porém,
ainda há muito que ser feito, tanto no que diz respeito ao fortalecimento das
capacidades locais, quanto ao diálogo interfederativo, que ainda é precário” (LEME,
2010, p. 50).
No Estado de São
Paulo, diante da constatação das dificuldades dos municípios em avançar na
gestão ambiental, seja por falta de quadros ou de recursos orçamentários, o
Governo do Estado lançou no ano de 2008 o Programa Estratégico Município Verde,
mais tarde rebatizado de Município VerdeAzul, que é o que veremos adiante.
2.3
O Programa Município VerdeAzul (PMVA)
O
Programa Município VerdeAzul (PMVA), instituído em 2008 pela então Secretaria
de Estado do Meio Ambiente (SMA), atualmente Secretaria de Estado de
Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA), incentiva a elaboração e a execução de
Políticas Públicas Municipais de Meio Ambiente voltadas para o desenvolvimento
sustentável, por meio de parcerias entre o Estado e as prefeituras. Conforme a
resolução SMA nº 009 de 2008, o objetivo do PMVA é descentralizar a política
ambiental no Estado de SP, ganhando eficiência na gestão ambiental e
valorizando a base da sociedade (SÃO PAULO, 2008, p. 1).
Segundo
Pimentel (2013, p. 74-75), os coordenadores do PMVA relataram que o programa
foi concebido a partir de discussões desenvolvidas entre técnicos da SMA e da
CETESB (Agência Ambiental Paulista), buscando viabilizar os compromissos do
Governo do Estado de São Paulo com o desenvolvimento sustentável. Como a
Constituição Federal preconiza que a defesa e preservação do meio ambiente é
competência comum às três esferas administrativas, foi consenso entre os
técnicos de que havia respaldo jurídico para a instituição de uma agenda
ambiental comum entre o Estado de São Paulo e os municípios paulistas.
O
Programa vem de encontro às necessidades dos governos municipais quanto à
formulação e execução de políticas públicas de proteção ambiental e
desenvolvimento sustentável. Ainda segundo Pimentel (2013, p.24), quanto às
necessidades dos municípios “é preciso dotá-los dos recursos e instrumentos
necessários para lidar com os inúmeros problemas ambientais existentes e cujos
efeitos impactam a qualidade de vida das suas comunidades". E continua:
Mas
esta premissa não pressupõe o protagonismo exclusivo dos municípios: ainda que
a vantagem da proximidade entre o local onde os problemas ocorrem e a instância
de poder competente para enfrentá-los possa ser considerada válida, a sua
condicionante é justamente a capacidade administrativa de levar a cabo as
soluções disponíveis, expressos pelos programas e projetos inerentes aos
esforços de mitigação destes mesmos problemas. Para que isso possa ocorrer, é
necessário que os estados passem a exercer um papel até então desempenhado de
forma muito rudimentar: o de articuladores de esforços e fornecedores de
recursos, prestando apoio técnico e financeiro aos municípios e estimulando a
cooperação intermunicipal (PIMENTEL, 2013, p. 24).
Conforme
consta na Resolução SMA 008 (SÃO PAULO, 2008, p. 4-6), o Programa Município VerdeAzul
está estruturado em 10 Diretivas abrangendo temas estratégicos do espectro
ambiental, norteadoras da agenda ambiental municipal, que são: Município
Sustentável (MS), onde são avaliadas as ações voltadas diretamente ao
desenvolvimento sustentável local; Estrutura e Educação Ambiental (EEA), que
inclui a comprovação da existência de órgão executor das políticas públicas de
meio ambiente, como secretaria ou departamento, e profissionais da área, e
programa de educação ambiental com a execução de suas ações de acordo com
cronograma pré-existente; Conselho Ambiental (CA), a existência de conselho
paritário e deliberativo que esteja ativo e com reuniões mensais, mais o Fundo
Municipal de Meio Ambiente com recursos; Biodiversidade (BIO), programas e
ações de proteção à fauna silvestre e animais domésticos; Gestão das Águas (GA),
programas e ações de proteção aos
mananciais, matas ciliares e uso racional da água; Qualidade do Ar (QA),
programas e ações de controle da emissão de gases poluentes e a substituição de
combustíveis fósseis; Uso do Solo (US), programas e ações de recuperação de
áreas degradas, boas práticas agrícolas e drenagem nas estradas rurais;
Arborização Urbana (AU), a existência de programa de arborização e execução de
ações de arborização viária prevista no cronograma do programa; Esgoto Tratado
(ET), Plano Municipal de Saneamento Básico e execução de seu cronograma, e o
ICTEM, que é o índice de coleta e tratabilidade
do esgoto no município; e Resíduos Sólidos (RS), com Plano de
Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos e execução de seu cronograma, assim
como a avaliação da qualidade do aterro sanitário onde são destinados os
resíduos que é o IQR, índice de qualidade dos aterros de resíduos, e coleta
seletiva.
Segundo
consta no Relatório Gerencial do PMVA (SÃO PAULO, 2019, p. 4), o principal
objetivo do Programa é incentivar os municípios paulistas a instituir e manter
estruturas administrativas e conselhos municipais de meio ambiente, e estimular
o poder público local a incorporar o planejamento ambiental em suas ações; e
ainda tem como objetivos específicos: descentralizar a política ambiental no
Estado de São Paulo, por meio do suporte à eficiência da gestão municipal na
área do meio ambiente; constituir base de dados para o Sistema Ambiental
Paulista; e desenvolver mecanismos que permitam a fixação das ações em escala
local propostas pelo PMVA em todos os municípios do Estado de São Paulo.
Ainda
conforme o mesmo relatório (SÃO PAULO, 2019, p. 12), a primeira etapa
necessária para a participação dos municípios no PMVA é a assinatura, pelo prefeito
municipal, do Termo de Adesão, que é um documento em que o Município formaliza
o compromisso voluntário de inserir, no planejamento e na gestão ambiental de
seu território, as dez diretivas ambientais propostas pelo Programa. Com a adesão
confirmada, o prefeito indica um interlocutor e um suplente que representarão o
Município junto ao Programa.
A
partir da adesão, os municípios passam a seguir uma “bula” que contém todas as
ações previstas em cada Diretiva para o ciclo vigente. Os ciclos são de
períodos de 12 meses, se iniciando sempre no mês de outubro e finalizando no
mês de setembro do ano seguinte. A partir da ‘‘bula”, o município elabora sua
agenda ambiental dentro de seu planejamento, passando a desenvolver as ações
previstas mais as chamadas pró-atividades, que são ações propostas pelo próprio
município dentro de cada Diretiva.
Todas
as ações realizadas são documentadas através de fotos, listas de presença,
registros e outros documentos comprobatórios e, somadas aos planos e programas
exigidos pelo Programa passam a compor RGA – Relatório Geral Ambiental, que
após validação pelo conselho de meio ambiente do município, são enviados à
coordenação do Programa via sistema eletrônico. Esses relatórios são enviados
em dois momentos: ao final de seis meses do Ciclo, na etapa chamada
Qualificação, e no final do Ciclo, já para avaliação objetivando a
certificação.
Conforme
descreve Pimentel (2013, p. 33), depois de avaliadas pelos técnicos da SMA, as
ações recebem pontos a partir de critérios objetivos, compondo uma nota final,
que é o Índice de Avaliação Ambiental (IAA), que busca medir o grau de
comprometimento da gestão municipal com a agenda ambiental paulista. A partir
da pontuação do IAA o município é classificado dentro do Ranking Ambiental Paulista,
que é divulgado ao fim de cada Ciclo. Os municípios que alcançam nota igual ou
superior a 80 recebem o certificado Município VerdeAzul, além de supostamente
obterem prioridade no repasse dos recursos provenientes do Fundo Estadual de
Prevenção e Controle da Poluição (FECOP). Complementando e reafirmando o acesso
aos recursos: “Além da visibilidade para suas boas práticas socioambientais e a
tendência a uma melhora na qualidade de vida local, o município certificado
possui prioridade no acesso a recursos públicos do Governo do Estado” (GIRÃO,
2012, p. 34).
Assim,
como salienta Pimentel (2012, p. 78), o programa utiliza a certificação
ambiental como estratégia de mobilização dos municípios para o comprometimento
com a agenda ambiental proposta e acena com a priorização no acesso a recursos
financeiros. Desta forma, afirma Girão (2012, p. 35), “o PMVA se caracteriza
como um sistema de indicadores de avaliação da gestão ambiental dos municípios
de todo o Estado de São Paulo, e que é sintetizado no Índice de Avaliação
Ambiental”.
Desde
a primeira edição do PMVA em 2008 até 2018, segundo São Paulo (2019, p. 51), o
Programa já certificou, nas 11 edições do período, um total de 309 municípios
dos 645 existentes no Estado de São Paulo. As notas em 2008 tiveram como
pontuação máxima 94,96, com 44 municípios certificados; já em 2018, pontuação
máxima de 96, com 76 municípios certificados. Segundo avaliação do Relatório
Gerencial do PMVA de 2019 (SÃO PAULO, p. 7), ano a ano, as ações solicitadas evoluíram
em qualidade, quantidade e complexidade, ficando progressivamente mais
elaboradas e planejadas, se transformando em políticas, programas e projetos continuados
e não apenas em ações, como era solicitado em 2008.
Analisando
os resultados apresentados no Relatório Gerencial do PMVA de 2019 (SÃO PAULO,
p. 55-76) podemos ressaltar um dado importante para a nossa pesquisa: em 2007,
189 (29,30%) municípios dispunham de estrutura de meio ambiente, já em 2018,
após 11 anos do Programa, esse total era de 521 (81%) de um total de 645
municípios no Estado de São Paulo. O que comprova que, ao longo desse período,
o PMVA cumpriu seu papel de indução para que os municípios paulistas
instituíssem estruturas ambientais de meio ambiente. Isso “... possibilitou que
os Municípios usufruíssem do conhecimento técnico do Sistema Ambiental
Paulista, desenvolvendo a partir daí metodologias de ação que permitiram e
agilizaram a adesão a programas, projetos e ações do Estado” (SÃO PAULO, p. 76).
Prosseguindo
com as análises dos dados do Relatório (SÃO PAULO, p. 55-76), podemos, ainda,
destacar as seguintes informações: em 2008, 255 (39,53%) municípios possuíam
conselho municipal de meio ambiente, já em 2018 esse número era de 582
(90,23%); em 2018, 409 (63%) dos municípios possuíam centro ou espaço para a
prática da Educação Ambiental e 390 (60,46%) instituíram programas de Educação
Ambiental através de instrumentos legais normativos; em 2012, 132 (20,46)
municípios possuíam o Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos
(PGIRS), já em 2018, 536 (83,1%) dos municípios informaram que possuem o PGIRS
instituído por norma legal; já quanto ao Plano Municipal de Saneamento Básico
(PMSB), 533 (82,63%) informaram possuir o Plano instituído por lei em 2018; em
2018, 102 dos 378 municípios pertencentes ao bioma Mata Atlântica possuíam
Planos Municipais de Mata Atlântica, enquanto 35 dos 92 pertencentes ao bioma
Cerrado possuíam Plano Municipal de Cerrado, e 32 dos 175 municípios que
pertencem aos dois biomas afirmaram possuir Plano de Mata Atlântica e/ou de
Cerrado; no que se refere à gestão das águas, 416 municípios desenvolviam em
2018 ações de proteção das matas ciliares e recuperação de nascentes e 254
possuíam uma nascente modelo preservada para a educação ambiental; outros dados
que também merecem destaque dizem respeito à arborização, sendo que 207
municípios possuíam em 2018 seus planos de arborização viária urbana
normatizados por lei e em execução, assim como, também 437 municípios possuíam
viveiros municipais de mudas.
Esses
dados são fundamentais para a comprovação dos avanços da gestão ambiental nos
municípios do Estado de São Paulo. Sejam as estruturas ambientais, os conselhos
de meio ambiente, planos, programas e projetos, pois, como possuem atividades e
cronogramas em execução, que são comprovadas documentalmente através de
relatórios, avaliados pelo Índice de Avaliação Ambiental (IAA) e classificados
no Ranking Ambiental Paulista, comprovam a eficácia do Programa Município
VerdeAzul.
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
estudo aqui relatado partiu da análise de ampla literatura de autores e
pesquisadores com atuação e estudos na área de gestão ambiental e planejamento
municipal, que procuram demonstrar a importância da intervenção dos municípios
na questão ambiental, seja com planejamento, com políticas públicas ou mesmo
com uma estrutura completa de gestão ambiental na administração pública. Também
foi analisada a legislação federal que determina a descentralização na
administração pública entre os três níveis de governo da Federação, dividindo
responsabilidades entre os entes federados, e, em especial, estabelecendo
responsabilidades aos municípios quanto à qualidade ambiental e equilíbrio
ecológico.
Outra
etapa do estudo diz respeito a uma experiência exitosa no Estado de São Paulo,
o Programa Município VerdeAzul, em que o Estado compartilha com os municípios
uma agenda ambiental comum. Através da
análise dos resultados comprovados do Programa fica evidente o sucesso da
descentralização da agenda ambiental no Estado. Esses resultados demonstram e
comprovam os avanços da gestão ambiental nos municípios do Estado de São Paulo.
O crescimento do número de administrações com estruturas ambientais, dos
conselhos municipais de meio ambiente com participação social, o aumento
significativo de planos, programas e projetos ambientais em execução no período
estudado (2008-2018), por si só já demonstram a importância da gestão ambiental
pública municipal. E, como todos esses aparatos possuem atividades e cronogramas
em execução, que são comprovados documentalmente através de relatórios, e avaliados
pelo Índice de Avaliação Ambiental (IAA), já indicam o avanço das políticas
públicas de meio ambiente nos municípios paulistas.
A
partir da análise e exposição da literatura em referência e dos resultados
apresentados pelos municípios do Estado de São Paulo, podemos considerar que
esses dados corroboram com o objetivo do estudo, que foi o de demonstrar a
importância da implantação de estruturas de gestão ambiental nas administrações
públicas municipais. Também os objetivos específicos foram atendidos ao se analisar
o aumento do número de municípios do Estado de São Paulo que implantaram
estruturas de gestão ambiental pública; e demonstrada a evolução das políticas públicas
de meio ambiente nos municípios do Estado de São Paulo. Assim como comprovada a
hipótese formulada de que um órgão de gestão ambiental na administração pública
municipal centraliza no âmbito da administração local o planejamento das
políticas públicas na área ambiental, organiza as ações e otimiza os
resultados.
O
presente estudo, porém, limitou-se à análise de resultados do crescimento de
estruturas de gestão ambiental e de expansão de políticas públicas nos
municípios, ficando aqui indicado e recomendado como necessário a uma maior
compreensão da questão e aprimoramento do tema, um novo estudo, agora
analisando os resultados efetivos que esse aparato ambiental traz para a
qualidade ambiental, para o desenvolvimento sustentável e para a qualidade de
vida dos habitantes desses municípios.
Enfim, podemos concluir que a municipalização da questão ambiental
é seguramente um passo evolutivo importante na gestão ambiental descentralizada
no âmbito federativo e na institucionalização da participação social, pois é na
esfera local que o diálogo entre os atores envolvidos, gestores e população,
pode reconhecer e formular respostas aos graves problemas ambientais de nossas
cidades.
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