sábado, 31 de julho de 2021

ÁGUA É VIDA

Publicado no jornal Capela em Pauta em março de 2021

Sem água não existe vida! A água é o elemento mais essencial na formação e manutenção de todos os organismos vivos. Nós dependemos da água para quase todas as nossas atividades, pois ela é necessária tanto para a sobrevivência pessoal como para as atividades econômicas.

O Brasil é um país privilegiado em recursos hídricos. Mas o ufanismo com que sempre nos referíamos a eles, talvez nos tenha levado à falsa ideia de que eram inesgotáveis. Hoje, com o aumento da população e das atividades econômicas de um sistema baseado no consumismo, já nos deparamos com um problema: a água doce disponível poderá tornar-se insuficiente para atender todas as necessidades humanas. Poluição, desmatamento, supressão de nascentes, despejo de esgoto e uso excessivo e descontrolado, estão diminuindo a disponibilidade de água para consumo.

Os governos, em todas as esferas, cada vez mais se vêem obrigados a tomar medidas para garantir a preservação e o acesso à água. Mas a situação ainda é crítica no que se refere a ocupação de áreas de mananciais, desmatamento de áreas ciliares, e perdas na produção e distribuição da água tratada.

Muitos empresários, preocupados com o alto custo que a água passa a ter, já estão adotando sistemas de produção mais limpos e eficientes, que reduzam o consumo e gerem menos efluentes para serem tratados. O fato é que, geralmente, somente se chega às consciências através do bolso.

E nós, cidadãs e cidadãos, o que podemos fazer diante desse problema que pode afetar a nossa sobrevivência? Enquanto não se muda o modo de produção, o padrão de consumo e as ações governamentais ainda não são eficientes, o que fazer?

A chave para isso é mudança de comportamento. Toda cidadã e todo cidadão deve mudar a sua postura para o uso correto da água. Não compactuar com a poluição de mananciais e com o desmatamento, e ações simples no dia-a-dia, como: uso racional da água no banho, na cozinha, na limpeza da casa e do carro, nos jardins e no controle de vazamentos. São atitudes simples que não se refletem apenas na conta da água, mas que somadas contribuem com a preservação de mananciais e maior disponibilidade e qualidade da água. Mas muito mais amplas e efetivas que as ações individuais são as ações coletivas: participação em conselhos, entidades ambientalistas, manifestações coletivas, movimentos sociais e ambientais, enfim, a questão ambiental exige ação política!            

Elzo Savella é professor, ambientalista, mestre em ciências ambientais

domingo, 28 de junho de 2020

A IMPORTÂNCIA DA SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE

Artigo publicado no jornal Gazeta de Votorantim em 27/06/2020


Elzo Savella

A atuação do município na área ambiental se torna mais efetiva após a promulgação da Constituição Federal em 1988, quando este passa à condição de ente autônomo dentro do sistema federativo. Em sua competência legislativa sobre atividades relacionadas ao meio ambiente o município pode legislar no interesse local suplementando a legislação federal e estadual. Já em sua competência administrativa deve proteger o meio ambiente, sendo o ente federado que deve atuar em primeiro lugar, fazendo bem-feito tudo o que estiver ao seu alcance, dentro do princípio do federalismo e da descentralização democrática.

Diante dessas novas responsabilidades colocadas para os municípios pelo novo ordenamento jurídico surge um problema: qual a importância ou necessidade de se implantar uma estrutura de gestão ambiental na administração pública municipal? A hipótese que podemos formular é a de que um órgão de gestão ambiental na administração pública municipal planeja localmente as políticas públicas na área ambiental, gerencia as ações e otimiza os resultados, dentro da realidade e especificidades de cada município.  A partir dos novos marcos legais, e das suas induções à descentralização na administração pública, podemos afirmar que isso vem de encontro às necessidades dos tempos atuais de uma gestão mais moderna visando a sustentabilidade, considerando suas variáveis econômica, social, ambiental e, no caso das cidades, a urbana. E com essa descentralização administrativa e maior proximidade com as comunidades locais, estas podem ter maior participação e consciência a respeito da importância da preservação ambiental para a qualidade de vida.

Nas administrações públicas modernas, onde, como se disse, a tendência deve ser cada vez mais a busca pela sustentabilidade, se exige bom planejamento, visão de futuro, e governança sobre as transformações econômicas, sociais e ambientais locais. Com uma complexidade cada vez maior, surge a necessidade de modernização, melhor organização e participação social. E para isso é imprescindível uma estrutura político-administrativa ambiental.

Considera-se que a composição mínima da estrutura político-administrativa ambiental seja formada por um órgão executor que pode ser uma secretaria ou um departamento, cuja estruturação vai promover a eficiência do processo de gestão ambiental local e coordenar, preferencialmente de forma integrada e transversal, a gestão das políticas públicas de meio ambiente; por um conselho de meio ambiente, onde os atores sociais estejam representados para garantir a legitimidade do diálogo entre sociedade civil e Poder Público; e por um fundo municipal de meio ambiente, que vai “carimbar” para a área ambiental os recursos financeiros. E, a partir dessa estrutura, desenvolver uma Política Municipal de Meio Ambiente que, comprometida com os princípios da susten­tabilidade, potencialize a defesa e a preservação do meio ambiente local, a inclusão social e viabilidade econômica.

Porém um impasse que se revela quando se analisa os orçamentos e quadros técnicos na maioria dos municípios brasileiros, diz respeito a constatação de que esses municípios não dispõem de recursos humanos especializados para o desempenho de serviços de planejamento, controle e execução de ações ambientais. A limitada capacidade técnica da maioria das prefeituras é agravada pela falta de continuidade das políticas públicas quando das mudanças de governo. Podemos acrescentar a isso o fator financeiro, pois na maioria dos municípios que, apesar de ter alguma estrutura ambiental na administração, o orçamento da área ambiental é sempre o menor dentro de orçamento do município, sendo o suficiente, na maioria das vezes, apenas para cobrir a folha de pagamento dos funcionários.

Podemos concluir que a municipalização da questão ambiental é seguramente um passo evolutivo importante na gestão ambiental descentralizada no âmbito federativo e na institucionalização da participação social, pois é na esfera local que o diálogo entre os atores envolvidos, gestores e população, pode reconhecer e formular respostas aos graves problemas ambientais de nossas cidades. Porém muitos governos municipais ainda relutam em assumir ou em investir na gestão ambiental pública alegando falta de recursos e o atendimento de outras demandas mais urgentes, como as da educação e da saúde, esquecendo que a qualidade ambiental impacta positivamente e diretamente, de forma transversal, todas as demais áreas da administração pública. E que o meio ambiente preservado e saudável é qualidade de vida e saúde para as pessoas, ou seja, reduz a ocorrência de doenças e as demandas por atendimento nos serviços de saúde.

Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em ciências ambientais. savellax@gmail.com

domingo, 7 de junho de 2020

O CORONAVÍRUS E O MEIO AMBIENTE

Artigo publicado nos jornais Folha de Votorantim e Gazeta de Votorantim em 30/05/2020


Elzo Savella

Vivemos tempos de degradação do nosso planeta: exploração insustentável dos recursos naturais, destruição de ecossistemas e habitats, emissão de gases de efeito estufa, consumo desenfreado e concentração das riquezas; e isso gera: desiquilíbrio ecológico, poluição, mudanças climáticas, pobreza e doenças. Epidemias e pandemias são resultados dessa degradação ambiental.

É unanimidade entre os pesquisadores que existe uma relação direta entre degradação da natureza e doenças infecciosas, e que a ação destrutiva humana contra o meio ambiente gerou a pandemia da covid-19 que vivemos hoje, causada pelo novo coronavírus. Calcula-se que 61% dos organismos causadores de doenças são transmitidos a partir de animais, ou seja, são originadas de zoonoses que, com as intervenções e desiquilíbrio, são transferidas de animais silvestres para animais domésticos e para a espécie humana.

O mecanismo é simples: vírus, bactérias e outros microrganismos existem na natureza tendo como hospedeiros os animais silvestres, com o desmatamento e a redução dos habitats, com a consequente redução de populações desses animais, somado ao contato humano, o ciclo natural se rompe e os agentes infecciosos escapam, transbordam, e, por força da seleção natural, podem passar por mutações e adaptações e encontram novo hospedeiro na espécie humana que ainda não tem defesas imunológicas contra esses agentes, causando epidemias e pandemias.

Na história da humanidade podemos encontrar registros de muitas epidemias e pandemias. A mais famosa delas, a peste bubônica ou peste negra, ocorrida no século XIV, teve como agente infeccioso uma bactéria transmitida pela pulga que se hospedava em ratos, e se proliferou devido às péssimas condições de saneamento ambiental reinantes nas cidades medievais. Calcula-se que matou 200 milhões de pessoas. A cólera, que já matou, e ainda mata, milhões de pessoas, é doença de veiculação hídrica provocada por bactéria, e é causada também pela falta de saneamento. Mais recentemente podemos citar a gripe espanhola (1918/1920), causada pelo vírus influenza, com origem em aves e porcos; a AIDS, com provável origem em chimpanzés; a febre amarela, com origem em macacos; a gripe aviária (2003/2005), transmitida por aves; a gripe suína (2009), causada pelo H1N1 e transmitida por porcos criados em condições precárias de confinamento; o ebola, transmitido por morcegos e macacos; a SARS e a MERS, também causadas por coronavírus e transmitidas por morcegos, gatos e camelos. A atual pandemia, a covid-19, causada pelo novo coronavírus, provavelmente tem como vetores morcegos e pangolins, animais silvestres comercializados no mercado de animais de Wuhan, na China, e consumidos como alimentos por humanos.

Os animais devem ser vistos então como inimigos? Não, não são inimigos. São nossos aliados. Devemos entender a importância deles dentro dos ecossistemas para o equilíbrio ambiental. O fato de os agentes infecciosos estarem nesses animais, num ciclo natural, é o que nos dá a segurança de que não virão para nós. O vírus só vai passar quando interferirmos diretamente sobre esses animais e em seu ambiente. Um bom exemplo é o caso da febre amarela: a morte de macacos é indicador de um surto, da presença da doença naquele ambiente, que teve uma quebra do ciclo normal do vírus. No caso dos morcegos, quando tem uma interferência em sua população, com redução ou aumento, o vírus pode “pular” para outra espécie. O melhor é não interferir na natureza, deixar o sistema acontecer como ele sempre aconteceu. Então, não devemos manter contato direto com animais silvestres e muito menos usá-los na alimentação ou mantê-los em cativeiro; e, quanto aos animais domésticos, mantê-los sempre em boas condições sanitárias.

O futuro, porém, não é muito animador. Com o aquecimento global, os solos congelados próximos ao Ártico, o permafrost, estão descongelando. Esse processo está liberando, além de muito gás metano, muitos vírus, bactérias e outros microrganismos desconhecidos que estão ali adormecidos por milhares de anos. A nossa Amazônia, em constante processo de devastação, também é um repositório de organismos ainda desconhecidos que poderão ser liberados para infectar a espécie humana e animais domésticos, e não podemos saber como vai ser o ciclo desses microrganismos.

Podemos concluir que, continuando a atual escalada de destruição de ecossistemas e habitats, somado ao aquecimento global, as ocorrências de epidemias e pandemias se tornarão cada vez mais comuns. Devemos, então, aprender com as lições que a atual pandemia pode nos deixar: precisamos repensar nossos padrões de consumo, nossa relação com a natureza, nossa vida em sociedade; que precisamos de um mundo mais solidário, humano e justo, com equilíbrio ambiental, justiça social e um novo modelo econômico viável, ou seja, o caminho para a sustentabilidade. Se não evoluirmos para uma nova sociedade, menos egoísta e mais sustentável, não teremos futuro por aqui.

Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em ciências ambientais. savellax@gmail.com

quinta-feira, 2 de abril de 2020

ESTRUTURA AMBIENTAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL: QUAL A IMPORTÂNCIA?



Me. Elzo Savella¹
Profª. Amanda Cecatto Alcantara²

RESUMO
Qual a importância de uma estrutura ambiental na administração pública municipal? Com o objetivo de responder a esta questão e a comprovação da hipótese de que um órgão de gestão ambiental centraliza localmente o planejamento e otimiza os resultados, o estudo se utiliza de pesquisa bibliográfica e documental sobre o tema. A Constituição Federal elevou os municípios à condição de entes autônomos federados e a legislação ambiental atribuiu a eles responsabilidades na área. Autores especializados indicam a necessidade e importância da gestão ambiental pública municipal. No Estado de São Paulo o Governo Estadual implantou em 2008 o Programa Município VerdeAzul, propondo uma agenda ambiental comum aos municípios. Em 10 anos do Programa houve significativo aumento dos órgãos municipais de meio ambiente, dos conselhos ambientais, e planos, programas e projetos em execução na área. A eficiência da gestão ambiental nos municípios paulistas é medida pelo IAA – Índice de Avaliação Ambiental. Nas considerações finais o estudo conclui que o objetivo foi atingido e a hipótese comprovada, ficando demonstrada a importância da implantação de estruturas de gestão ambiental nas administrações públicas municipais.  

Palavras chave: Meio ambiente. Administração pública municipal. Gestão ambiental pública. Desenvolvimento sustentável. Federalismo.

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¹ Mestre em Sustentabilidade na Gestão Ambiental pela UFSCar; Especialista em Gestão Socioambiental pela UNISO; Graduado em Gestão Ambiental pela UMESP; Graduado em História pela UNISO; Pós-graduando em Administração Pública e Gerência de Cidades pela UNINTER. 
² Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário UNINTER. Especialista em Direito Público pela FEMPAR-PR. Graduada em Direito pela UNICURITIBA. Professora Orientadora de TCC no Centro Universitário UNINTER.

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terça-feira, 28 de março de 2017

NOSSAS ÁGUAS

Artigo publicado no jornal Gazeta de Votorantim de 25/03/2017

Elzo Savella

O município de Votorantim é cortado em 19 Km de seu território pelo rio Sorocaba, principal afluente da margem esquerda do rio Tietê. Nas cabeceiras do rio Sorocaba está a represa de Itupararanga, com uma reserva média de 286 milhões de m³ de água, cuja barragem e 5% de sua bacia está localizada em Votorantim. Se observarmos o mapa hidrográfico do município veremos centenas de ribeirões, riachos e córregos formando dezenas de microbacias hidrográficas. Nascentes perenes, aquelas de fluxo contínuo que formam corrégos, são 473! Dezenas de belíssimas cachoeiras demonstram de forma exuberante a riqueza e a força hídrica de nosso município.

Na cidade, 99% da população tem acesso a água tratada. Quatro estações de tratamento de água (ETAs) tratam e distribuem até 33 milhões de litros por dia. A coleta de esgoto atende também 99% do esgoto gerado e trata 92% através de três estações de tratamento (ETEs). Isso representa a quase total despoluição do rio Sorocaba em nosso município!

Existe em nosso município uma legislação ambiental bem avançada. Entre essas leis, no que se refere a proteção da água, temos a lei  2060/2009 que dispõe sobre a proteção das nascentes, mananciais e áreas ciliares dos corpos d’água no município. Uma lei municipal que complementa de forma mais restritiva a legislação estadual e federal.

Assim exposto nos mapas e números, nos parece que somos privilegiados, que vivemos em um verdadeiro paraíso hídrico. Assim foi, e assim ainda deveria ser! Mas não é. Se formos a campo vamos constatar que, conforme estimativas de estudos já realizados, das 473 nascentes, aproximadamente 20% já desapareceu e com elas seus respectivos córregos. Os dois principais ribeirões, o Cubatão e o Ipaneminha, tiveram seus níveis drasticamente reduzidos nas últimas décadas. Importantes córregos, como o do Itapeva, do Vidal e São João, estão reduzidos a um fio de água e algum esgoto clandestino ainda. O próprio rio Sorocaba teve sua vazão média histórica reduzida nas últimas décadas de 11m³/s para 9m³/s em nosso município. Uma redução de quase 20% no volume de água.

Essa redução da disponibilidade hídrica tem causas óbvias: desmatamento, impermeabilização do solo, supressão de nascentes e uso não racional da água. Isso sem considerar as mudanças climáticas, um fenômeno de escala global de origem antrópica. Os pontos positivos são os avanços no tratamento do esgoto e algumas ações, ainda insuficientes, de revegetação, principalmente das áreas ciliares. Mas ainda é preciso muito mais.

Não bastassem esses problemas locais, pelos quais somos responsáveis e devemos dar conta, surge agora uma ameaça maior, de caráter regional. Uma grande empresa quer desenvolver uma atividade mineradora de extração de areia e argila nas várzeas dos rios Sorocamirim e Sorocabuçu, exatamente no ponto de confluência desses rios formando o rio Sorocaba. Pretende-se extrair mensalmente 40 mil toneladas de areia e argila em uma área de várzea 4 km a montante da represa, colocando em risco as águas formadoras da represa de Itupararanga. O processo de licenciamento é de responsabilidade da CETESB, mas a sociedade deve se mobilizar para impedir a total degradação do rio Sorocaba já no seu marco zero.

Se as atuais políticas públicas, ou a ausência delas, não estão revertendo a degradação e as ameaças aos nossos mananciais, cabe à sociedade se mobilizar na defesa de nossas águas.

Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em sustentabilidade. savellax@gmail.com


quinta-feira, 16 de março de 2017

DRENAGEM URBANA E ENCHENTES

Artigo publicado no jornal Folha de Votorantim de 16/03/2017

Elzo Savella

As bacias hidrográficas são os caminhos naturais da drenagem das águas pluviais e das que brotam dos lençóis freáticos através das nascentes. Quando da precipitação das águas das chuvas, parte dessas águas se infiltra no solo alimentando os lençóis freáticos e os aquíferos. Outra parte escoa superficialmente em direção às calhas dos rios tendo sua velocidade controlada pela vegetação, permitindo maior infiltração e evitando a erosão e, consequentemente, o assoreamento dos corpos d’água. Nas estações chuvosas, quando a maior precipitação se concentra em menores períodos e o solo fica saturado de umidade, os corpos d’água transbordam e ocupam suas áreas naturais de inundação: as várzeas. Isso faz parte do ciclo hidrológico.

Com a urbanização e a impermeabilização do solo, o percentual de infiltração das águas pluviais é muito baixo e o maior volume delas corre superficialmente ou pelas galerias, chegando rapidamente às calhas dos rios que têm seus níveis aumentados rapidamente, transbordando. Outra agravante é que as várzeas, que seriam o escape dessas águas, geralmente estão ocupadas por habitações ou equipamentos urbanos. O resultado são as enchentes. Sem falar que, com a remoção da vegetação que protege o solo da erosão e permite maior infiltração, muitas áreas de topografia mais acidentada têm seus barrancos solapados pela água provocando deslizamentos de terra. Temos as áreas de risco.

Localizada aos pés da serra de São Francisco, Votorantim recebe dois importantes corpos d’água que descem a serra e cortam sua malha urbana: o rio Sorocaba e o ribeirão Cubatão. O rio Sorocaba tem seu fluxo e velocidade regulados por quatro represas, sendo a maior delas a de Itupararanga, o que evita, por exemplo, que sua área central, que ocupa uma várzea, seja inundada a cada estação chuvosa. O Cubatão, apesar de ser um corpo menor e de existirem dois pequenos barramentos no seu curso, não tem um controle efetivo de seu fluxo e desce a serra com grande velocidade, buscando ocupar suas áreas de várzea que hoje estão ocupadas pela urbanização. Há uma disputa de espaço entre a cidade e o rio.

Hoje o principal problema de inundação em Votorantim está na região das várzeas do Cubatão, ou seja, nos bairros do Fornazari e Barra Funda, cuja população vem sofrendo mais a cada ano. Votorantim possui um sistema de drenagem razoável, porém já dando sinais de que está ficando defasado diante da demanda. Problema que pode, ou irá, aumentar com a constante expansão urbana acompanhada da impermeabilização do solo.

O que fazer? Algumas medidas são urgentíssimas, outras de curto, médio e longo prazos. São necessárias medidas emergenciais de manutenção, desobstrução e limpeza do sistema de drenagem (bacias de contenção, galerias, bocas de lobo); desassoreamento e aprofundamento das calhas dos córregos, ribeirões e rio Sorocaba; campanha educativa junto à população para o combate da poluição difusa que obstrui as bocas de lobo e galerias; e um efetivo plano emergencial para a Defesa Civil.

No curto prazo duas medidas não estruturais, mas de suma importância, são a atualização do Plano Municipal de Saneamento Básico e a elaboração do Plano Diretor de Drenagem Urbana, que vão estabelecer as diretrizes, orientações e embasamentos para o redimensionamento do sistema de drenagem e para a redução do risco de enchentes e calamidades. Esses planos devem conter diagnósticos sobre a situação atual do sistema de drenagem e o planejamento de seu redimensionamento e expansão a curto, médio e longo prazos. Mas devem dar ênfase específica a atualização do cadastro das estruturas de drenagem do município; a um programa de fiscalização dos sistemas de Coleta de Esgoto e Drenagem Urbana para coibir as ligações clandestinas na rede de esgoto;  programa de manutenção contínua do sistema de drenagem; programa de recuperação, revegetação e preservação das áreas ciliares (áreas de preservação permanente - APPs); estabelecer políticas públicas habitacionais para as famílias que ocupam áreas de risco. Por fim, como medida estrutural, a melhoria e ampliação do sistema de drenagem urbana com a execução de obras de novas redes, galerias e contenções.

No saneamento básico, a drenagem urbana sempre ficou em segundo plano. Hoje as palavras de ordem para o gestor público quanto à drenagem urbana devem ser planejar e executar, e não ficar dependendo de ações emergenciais e contingenciais ... ou ficar rezando a cada chuva torrencial!


Elzo Savella é professor, historiador, ambientalista, gestor ambiental, mestre em sustentabilidade. savellax@gmail.com

terça-feira, 20 de setembro de 2016

DA IMPORTÂNCIA DAS ÁRVORES

Artigo

Publicado na Folha de Votorantim em 21/08/2008

Elzo Savella

Por volta do ano 900 d.c., um grupo de navegantes, após viajar milhares de quilômetros por mar, chegou a uma exuberante ilha povoada de árvores e palmeiras. Um verdadeiro paraíso. A ilha possuía florestas que ofereciam alimentos e madeira, água para matar a sede e para irrigação, terras para agricultura, e bom clima. De tão generosa que era a natureza da ilha, essas pessoas nela se estabeleceram, constituíram uma sociedade organizada, desenvolveram uma rica e original cultura e se multiplicaram. Calcula-se que no auge dessa civilização a população chegou a 15 mil habitantes.

Nessa cultura peculiar, os ilhéus desenvolveram uma tecnologia para construção de gigantescas estátuas de pedra para homenagear seus ancestrais. Essas estátuas eram esculpidas no centro da ilha, onde estava a matéria prima, e eram transportadas para o litoral, ficando de costas para o mar, de onde vieram os antepassados. A construção dessas estátuas e seu transporte até o local de culto exigiam uma grande quantidade de madeira, pois as estátuas eram puxadas por cordas deslizando por quilômetros em cima de troncos de árvores e palmeiras.

Essa sociedade era dividida em clãs, que competiam entre si, entre outras coisas, na construção de estátuas cada vez maiores e em maior quantidade. A madeira retirada das árvores, que já era usada na construção de casas, embarcações para pesca e combustível para cozimento de alimentos, passou a ser utilizada cada vez mais, a ponto de as árvores serem derrubadas numa escala maior que a capacidade de reposição da natureza. Começou a haver, então, um esgotamento dos recursos naturais: a floresta foi desaparecendo, e com ela a água, a fertilidade do solo, e o clima se tornou mais inóspito. Os ilhéus acreditaram que isso era fruto do descontentamento dos ancestrais e intensificaram a construção de estátuas ... até cortar a última árvore. E sem árvores não havia mais madeira para construir casas para morar e barcos para pescar ... As condições de vida se tornaram cada vez mais adversas, pois haviam destruído todo o sistema ecológico da ilha, criando uma crise ambiental, social e cultural.

Em 1722, quando navegantes europeus chegaram à ilha, encontraram cerca de mil indivíduos perambulando por terras desoladas cobertas apenas por arbustos, onde não havia mais nenhuma árvore; uma população desnutrida, onde os principais alimentos eram pequenos peixes capturados na praia e carne humana.

Essa ilha existe: é a Ilha de Páscoa, localizada no oceano Pacífico, distante milhares de quilômetros de qualquer outro lugar habitado; e é possível que essa seja a sua história: seus habitantes conseguiram transformar um paraíso numa terra estéril e desolada, – já o que se seguiu com a chegada dos europeus é uma outra trágica história.

A possível história da Ilha de Páscoa pode ser considerada uma metáfora do futuro do planeta Terra. A exploração irracional dos recursos naturais, em especial a derrubada de florestas além de sua capacidade de regeneração, mais o consumismo desenfreado de parte da população do planeta, pode levar a um esgotamento do planeta parecido com o que aconteceu na ilha. E, assim como na Ilha de Páscoa, isolada do resto do mundo por milhares de quilômetros e seu povo nela aprisionado sem poder sair, nós estamos no planeta Terra, nosso único lar, e não temos outro lugar para ir se este for destruído.

Nosso planeta possuía extensas e exuberantes florestas que cobriam quase 30% da superfície terrestre. Formavam grandes biomas responsáveis pela produção de oxigênio, absorção do carbono, regulando o clima, protegendo os mananciais e o solo, e fornecendo abrigo e alimento para os demais seres vivos. Para o homem sempre tiveram importância vital fornecendo alimentos, madeira, combustível, celulose para fabricação de papel, látex para a fabricação de borracha, princípios ativos e essências para medicamentos e perfumes, além de cortiças e resinas para diversos fins industriais. Árvores transplantadas para as cidades embelezam ruas, praças e jardins, melhorando o microclima local e a qualidade do ar, além de contribuir para o bem estar psicológico da população.
            
Diante disso tudo devemos nos perguntar: pode o ser humano viver sem as árvores? Tudo indica que não. Mas o que vemos é a contínua destruição e exploração não sustentável das florestas, o consumo de madeira ilegal e a rejeição da arborização urbana por parte de muitas pessoas. As conseqüências já estão aí e são perceptíveis: mudanças climáticas, aquecimento global, desertificação, perda de biodiversidade, entre outras.
            
Neste mês de setembro comemoramos o Dia da Árvore e o início da primavera. A primavera é a estação do ano que representa o renascer e renovação da vida. É quando as árvores e toda a vegetação ganham mais vida e exuberância, embelezando o mundo e nossas vidas, e a natureza mostra toda sua capacidade de regeneração. Mas até quando? Seria possível a tragédia da ilha acontecer em escala global? Não vale a pena pagar para ver! Vamos aproveitar a primavera, deixando que a beleza das flores e a alegria dos seres da natureza nos contagiem e tragam a renovação de nossas consciências!
           
           
             Elzo Savella é professor, 
ambientalista e gestor ambiental